Editorial
Rir
Paulo Barriga
Para eles, o tempo é de esfregar
as mãos de contentamento.
Quando a política, quando os
agentes sociais e económicos e jurídicos
de um País, entram em desnorte,
começa aí a sua época das vacas gordas.
A crise, as crises em geral, e as patetices
da vida pública em particular, são o seu
maná. O seu alimento. A sua predileção.
Os humoristas são os verdadeiros
agentes antidepressivos em climas
de crise. São eles que inventam as boas
mezinhas e os melhores xaropes que
confortam emocionalmente as sociedades
deprimidas. Que se conheça, são
o tónico psíquico mais eficaz em tempos
de quebra acentuada. Como agora
acontece. O humor é o Prozac da desgraça
coletiva. E a desgraça coletiva é
o complexo vitamínico que revigora o
humor. Isto é histórico e está cientificamente
comprovado: mede-se a desgraça
de uma nação pela boa qualidade
do seu humor. O humor vive na
adversidade, propaga-se no caos, multiplica-
se na aselhice. O “mau momento”
é o seu habitat natural. Isso nos
ensinou, cada um a seu tempo, Bordalo
Pinheiro, Stuart de Carvalhais, José
Vilhena e Solnado. E, hoje, Ricardo
Araújo Pereira ou Luís Afonso. De
quem nesta edição oferecemos uma belíssima
entrevista sobre precisamente
a arte de fazer rir. De fazer rir em imprensa.
E aquilo que nos faz rir em imprensa
– o Ricardo Cataluna tem uma
página no “Diário do Alentejo” que faz
rir – é a própria imprensa. Ou melhor:
são os acontecimentos da vida que dão
em notícia e que dão em chacota. Num
ato contínuo, fabril, febril, exatamente
igual ao ato fabril e febril de encher linguiças.
O humor de imprensa faz-se
das parvoíces que a própria imprensa
propaga e constrói. O trabalho do humorista
é precisamente o inverso: a
destruição. A desconstrução da realidade.
O exagero da realidade. A inversão
da realidade. Mas será que a realidade
é mesmo real? E quem é que está
mais apto a fazer rir? O douto sem canudo
ou o canudo sem doutor? O humor
é a suprema exaltação da parvoíce.
E o tempo de crise, o nosso tempo,
é o tempo da parvoíce absoluta. Um
tempo tão absolutamente parvo que
está a constranger os próprios amantes
da parvoíce: os humoristas. A matéria
risível em tempo de crise não é apenas
boa, é a melhor. O problema é que
os fazedores de humor não estão habituados
a lidar com tanta parvoíce junta
e durante tanto tempo. A parvoíce, pela
força do uso, pela repetição, está cada
vez mais banalizada. Cada vez menos
parva. E aquele que era o bom sustento
dos humoristas começa agora a gerar
fastio. A eles próprios, aos humoristas,
e a quem ainda vai rindo. É costume
dizer-se que ainda não batemos
no fundo. Esse dia será anunciado, não
por um qualquer político engravatado,
não por um general na reserva, não por
um sindicalista afónico. Será dito e será
feito no preciso dia em que já nem eles
nos consigam roubar uma gargalhada.
Os humoristas.
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