Editorial
Beneficiário
Paulo Barriga
Passos Coelho foi pagar à
pressa umas dividazinhas
antigas que tinha para
com a Segurança Social. Ninguém
é perfeito. Estas coisas acontecem
a qualquer um. Mesmo que
qualquer um seja o responsável
máximo pelo infortúnio de muitas
famílias que viram as suas
casas de habitação penhoradas
por incumprimento para com a
mesma Segurança Social que deixou
andar Passos na calada durante
anos. Passos Coelho não
sabia que estava obrigado a pagamentos
mensais à Segurança
Social. Acredito que ele não soubesse.
Ou que preferisse não saber,
tanto faz. Eu também, muitas
vezes, não me apetece saber. Mas
a minha desatenção seletiva não
invalida que me subtraiam à máfila,
todos os meses, 25 por cento
do ordenado para a Segurança
Social. E outros 25 por cento para
as Finanças. Segurança Social
e Finanças. Os dois verdadeiros
mastins das políticas indomáveis
que Passos Coelho tem vindo a
atiçar sobre os palermas indígenas.
Mas nem sempre foi assim.
E Passos Coelho sabe muito bem
que nem sempre assim foi. Ele é
do tempo, e as dívidas que pagou
à pressa e as que lhe foram perdoadas
são desse tempo, em que
a Segurança Social tratava os cidadãos
por “beneficiários”. Do
tempo em que as prestações exigidas
aos trabalhadores no ativo
eram convertidas em abonos de
família, proteção jurídica, auxílio
no desemprego, baixas por doença,
pensões de reforma. Em benefícios
sociais, por conseguinte.
Gangrenas que Passos Coelho fez
questão de erradicar com o fino e
minucioso bisturi da austeridade.
Uma Segurança Social com beneficiários
pobres e desprotegidos
é qualquer coisa de insustentável.
Disseram-lhe os compadres
da Troika. Palavras não eram ditas
e já Passos alçava o cajado dos
cortes sobre os reformados, os desempregados,
os trabalhadores
doentes ou acidentados, as famílias
sem rendimentos. As dívidas
de Passos Coelho à Segurança
Social são do tempo dos “beneficiários”.
E Passos Coelho encarna
na perfeição a definição que
o portuguesinho manhoso tem
desse substantivo masculino que
às vezes tem ares de adjetivo: recolher
favores ou tirar vantagem
de uma situação. A amnésia de
Passos Coelho em relação às suas
obrigações contributivas deixa
cair a máscara do rigor, da frugalidade
e do puritanismo impoluto
com que tantas vezes enganou os
seus compatriotas, exigindo-lhes
sacrifícios que foram e vão para
lá da dignidade humana. Sonso,
Passos Coelho é igual a todos os
outros. Era algo que, se não sabíamos,
pelo menos desconfiávamos
e que agora temos a certeza.
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