terça-feira, 19 de junho de 2007

LENDA DA FONTE MOURO - BEJA

A Nordeste da cidade de Beja, a pouco mais de meia hora de caminho, a pé, ainda hoje há uma horta cuja fonte de boa água fresca corre de noite e de dia para um barranco. Chama-se da Fonte Mouro e junto dela passa um caminho vicinal.
Diz-se que a dita horta fora outrora de abastado mouro de nome Albutassén, que havia de sua esposa Judith uma formosa e gentil filha chamada Aldonça.
Pouco temente a Allah, Abutassén era rico mas mui avarento e mau. Porém, a sua filha Aldonça, a antítese do pai, era bondosa, desprezava as riquezas e muito crente em Allah.
Em idade de noivar e com tendências afectuosas, ela vivia recolhida em casa entregue a trabalhos domésticos e outras ocupações próprias da sua condição de jovem moira. Raro consentia seu pai que Aldonça se afastasse de casa a ir a alguma festa ou assistir nalguma mesquita aos sagrados ritos e devoções em honra de Allah.
Em todo este termo corria a fama de seus excelentes dotes físicos e morais, o que mais atraía as atenções e curiosidade dos jovens cavaleiros que tinham a dita de contemplar tão excelsa como encantadora e formosa moira.
Dada ao afecto amoroso, a bela Aldonça votava particular atenção a um jovem cristão de seu nome Atanásio que, embora pobre e de crença diferente da sua, possuía, contudo excelentes dotes morais e de carácter que faziam inveja a seus companheiros, alguns nobres e ricos.
Sabendo das tendências amorosas da filha, Albutassén mais ainda a contrariava, e raro, consentia que ela saísse da horta onde vivia, triste e contrafeita, entregue às suas chorosas penas.
Um dia pensou o jovem moço Atanásio raptar a mulher de seus sonhos e encantos mais caros, visto de outro modo ser-lhe impossível possuir aquela que tanto amava. E, numa noite clara de Agosto, em que a lua estendia sobre a terra seu manto de luz, o moço cavaleiro, montando em seu ginete fogoso, dirige-se à horta onde já o esperava, impaciente e nervosa, a formosa Aldonça. Os olhos dela eram as noites negras estreladas, e o seu cabelo em ondas como as do mar, tinham a cor do azeviche.
Ao ver o seu bem amando transbordante de alegria, mas nervosa, a jovem moira ajoelha, volve ao céu o doce olhar e, numa prece fervorosa e breve, pede a Allah misericórdia e perdão do seu plano de fuga. Passaram-se alguns segundos. Junto de si chegou um moço cristão que a arrebatou e, sentando-a na sela, á sua frente, corre veloz no fogoso ginete.
Allah, que sabe os desígnios dos homens, não podia consentir na fusão de duas crenças diferentes. Não favoreceu, por isso, ao cristão a sua amorosa aventura e nem á jovem amada a felicidade que tanto desejava. Então, com o seu poder divino, fez que o cristão se mudasse em serpente, e ela, Aldonça, se transforma-se numa fonte de água cristalina.
Diz a lenda que há quem tenha visto, em noites de luar a enorme serpente ir junto da fonte beber nela as longas saudades de Aldonça.

Outra versão nos diz que, junto do “monte” que da cobra tirou o nome - o Monte da Cobra, um dia se defrontou ela com toiro bravo. É por isso – dizem alguns – que Beja tem por armas um toiro (simbolizando a força, não a agricultura, como outros pensam, talvez com mais razão de ser).



Lenda! Verdade? Fantasia? Seja o que for, o que é evidente é que a horta, a fonte e ainda o monte da cobra, existem.

In "A Etnografia e o Folclore do Baixo Alentejo" - Delgado, Manuel Joaquim

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