sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Ali e a Máquina Fotográfica

Ali vive em Istambul, uma grande cidade da Turquia. A sua casa fica num prédio antigo, perto da famosa Mesquita Azul. Depois das aulas, Ali vai para casa e senta-se à janela a contemplar os barcos que se fazem ao mar.

— O que estás a fazer? — pergunta-lhe a mãe.

— Estou a fotografar estes barcos — responde Ali.

A mãe olha para o filho e ri.

— A fotografar? Mas como podes tu fotografar, se nem sequer tens máquina?

— Isso sei eu, mãe! Por isso estou a tirar fotografias com a minha cabeça, que é onde as posso ver.

Ali aponta um sítio junto dos olhos e a mãe ri de novo.

— Deixa-te de brincadeiras e vai para a loja do teu pai! — diz ao filho.

O pai de Ali vende legumes e frutas e o rapaz trabalha na loja depois da escola.

— Não te mexas! Fica junto da porta — diz Ali, de repente, quando chega junto do pai.

— Porquê? — pergunta este.

— Quero tirar-te uma fotografia!

O pai sorri.

— Uma fotografia? Primeiro, tens de arranjar uma máquina. Depois, podes tirar-me uma fotografia.

— Compra-me uma máquina, pai! — pede Ali.

O sorriso do pai desvanece-se.

— Não tenho dinheiro para máquinas… — diz, devagar.

Todas as tardes, Ali vai passear na parte velha de Istambul, e observa as casas construídas junto da água. Algumas são muito velhas. Depois, olha para os homens que estão na ponte a pescar. Por fim, dirige o olhar para os barcos. E fotografa tudo com a mente. “Como hei-de arranjar uma máquina?”, pensa. De repente, a resposta surge-lhe. “Já sei, vou trabalhar no mercado!”

Perto da escola de Ali existe um mercado velho, com pequenas lojas onde se compra e vende comida. Todas as tardes, depois da escola, o rapaz dirige-se para lá. Trabalha sempre com um sorriso, carregando os sacos dos clientes. As pessoas gostam dele e dão-lhe algum dinheiro, que Ali logo mete no bolso.


— Um dia vou ter muito dinheiro — diz à mãe. — Depois, compro uma máquina e tiro-te uma fotografia na cozinha.

— Na cozinha não! — diz a mãe. — Tiras-me uma na varanda, com o teu pai.

— Na varanda não! — diz o pai. — Na minha loja.

Uma tarde, Ali carrega um saco pesado para um cliente idoso.

— Está um homem a seguir-nos — diz o velhote. — Conhece-lo?

Ali olha para o homem alto e forte atrás deles e responde:

— Não, não conheço. Não trabalha no mercado.

— Toma bem conta do meu saco. Talvez seja um ladrão! — diz o cliente.

Ali pensa no dinheiro que tem no bolso e sugere:

— Vamos caminhar mais depressa.

— Eu não posso andar mais depressa. Tu sim, que és novo! — queixa-se o velho.

De repente, o homem alto e forte agarra no saco que Ali transporta e desata a fugir. O rapaz vai atrás dele, mas o ladrão agride-o. Ali cai e o dinheiro sai-lhe do bolso. O homem pousa o saco, pega no dinheiro e foge. Ali devolve o saco ao velhote.

— Muito obrigado. És um rapaz muito bondoso — agradece o cliente.

Ali fica triste, mas não fala do dinheiro que perdeu. Nessa noite, nem sequer conta o sucedido aos pais. “Posso sempre recomeçar”, pensa.No dia seguinte, está de novo no mercado, à espera de trabalho, no meio da algazarra. De repente, uma senhora de idade vem ter com ele e pede:

— Podes carregar estes dois sacos para mim? Vivo junto da estátua de Ataturk.

Enquanto Ali transporta os sacos, a senhora pergunta:

— São muito pesados?

— Não para mim, que sou forte! — responde Ali.

Chegam, por fim, junto da estátua de Ataturk. A senhora comenta:

— Lembro-me de Ataturk, porque foi um homem muito importante para a Turquia.

— Posso tirar-lhe uma fotografia junto da estátua — oferece-se Ali.

— E onde está a tua máquina fotográfica? — admira-se ela.

— Não tenho — diz Ali.

A senhora olha para ele e sorri.

— Tira lá a minha fotografia sem máquina. Mas primeiro, deixa-me arranjar o cabelo.

Chegam à rua onde a cliente vive e o rapaz carrega os sacos até ao andar dela. É um andar espaçoso, cheio de fotografias.

— Quanto dinheiro queres? — pergunta a senhora.

— Quanto dinheiro me quer dar? — returque ele.

— Senta-te e espera — pede a cliente.

Dirige-se a um pequeno quarto e volta com uma máquina fotográfica nas mãos.

— Esta foi a primeira máquina do meu filho. Fica com ela — oferece.

Ali fixa a máquina durante um bom bocado. Por fim, pega nela, mas logo a devolve.

— É uma máquina muito bonita, mas não posso ficar com ela.

A senhora pega na mão do rapaz e coloca a máquina nela.

— O meu filho já não a quer, porque agora tem uma nova.

— Como posso agradecer-lhe? — pergunta Ali.

— Volta cá um dia e tira-me uma fotografia. Uma fotografia a sério. E, agora, aqui tens o dinheiro de hoje.

— Não posso aceitar dinheiro algum! Mas posso transportar os seus sacos outra vez — diz Ali.

— És um bom rapaz. Lembra-te do meu nome: Sra. Yildiz.

— Não me esquecerei, Sra. Yildiz.

— Adeus, Ali. Tira boas fotografias com a máquina do meu filho.

Ali corre para casa e conta à mãe o que aconteceu.

— A máquina funciona? — quer saber a mãe.

— Claro que funciona. Vou agora mesmo tirar-te uma fotografia.

— Mas nem tem rolo, filho.

A mãe dá-lhe algum dinheiro e diz:

— Vai comprar um rolo que eu vou comprar um vestido novo. Depois, tiras-me uma fotografia.

— Obrigado, mãe! Mas eu quero comprar rolos com o meu dinheiro e não com o teu.



E Ali continua a trabalhar todos os dias no mercado, depois das aulas, e chega tarde a casa. “Esta vida é bem difícil”, pensa. “As pessoas trabalham muito e recebem pouco.” Mas chega o dia em que já tem dinheiro suficiente para comprar um rolo. “Agora já posso tirar fotografias a sério”, diz para consigo. Lembra-se da Sra. Yildiz e vai até casa dela. Quando ela abre a porta e o vê, fica muito contente. Ali diz:

— Quero tirar-lhe uma fotografia.

Vão até à cozinha, onde um homem alto bebe café.

— Este é o meu filho Yusuf. Tira-nos uma fotografia aos dois. Senta-te junto de mim, Yusuf.

— Sorriam, por favor — pede Ali.

— O Yusuf trabalha num jornal e pode ensinar-te a tirar fotografias — diz a Sra. Yildiz.

Ali fita Yusuf e pergunta:

— Pode? É que eu quero aprender a tirar boas fotografias.

Yusuf sorri.

— Tira algumas fotografias por aí e depois aparece no jornal a mostrar-mas.

— Vou tirar o máximo que puder. Tenho-as todas na minha cabeça — diz o rapaz.

Ali passeia pelas ruas de Istambul que, de repente, lhe parece uma cidade muito bonita. Tira fotografias de pontes, de barcos e de mesquitas antigas. Também tira fotografias de pessoas nas ruas e nas lojas. Um dia, decide ir até ao jornal falar com Yusuf. Yusuf contempla as fotografias e diz:

— Bem, não estão mal...

— Não estão mal? — Admira-se Ali.

— Não, as tuas fotografias não estão mal.

— Não estão boas? — Insiste o rapaz.

— Algumas estão, mas outras não — diz, sincero, Yusuf.

Ali fica aborrecido e pede as fotografias de volta. Yusuf não percebe a atitude do rapaz. Este regressa a casa e conta à mãe o que aconteceu.

— Não foste muito inteligente, filho. Não és propriamente um fotógrafo famoso...

Ali sente-se triste consigo mesmo.

— Às vezes, abro a boca e falo sem pensar.

— Vai ter com Yusuf e pede-lhe desculpa.

— Agora não me sinto capaz. Estou zangado.

Ali deambula pelas ruas e vai-se perguntando: “Porque me afastei de Yusuf? Não foi uma atitude correcta. Porque não pensei primeiro? Porque.”

De repente, repara numa pequena loja de fotografia. Entra e vê um idoso sentado a uma mesa. O nome dele é Selim e tem uma cara prazenteira.

— Gosto muito da sua loja. Tem máquinas bonitas. Queria trabalhar consigo — diz Ali.

— Mas eu não posso pagar-te — explica o velho.

— Não quero dinheiro. Quero aprender a tirar fotografias. Por favor, veja as minhas — pede o rapaz.

Selim observa-as e comenta:

— Cada um de nós vê através dos seus olhos. Mas os bons fotógrafos vêem as coisas através da lente da máquina.

E Ali começa a sua aprendizagem. Primeiro tira fotografias de pessoas. Depois fotografa portas e janelas.

— As portas e as janelas também têm vida — explica Selim.

Na cidade, há sempre muitas crianças a trabalhar nas lojas, ou a vender fruta, bebidas frescas e jornais nas ruas. Essas crianças sorriem com a cara mas não com os olhos. Ali mostra as fotografias a Selim.

— Gosta delas? — pergunta.

— Gosto. Estás a aprender. Estás a aprender a fazer fotografias.

— Quando poderei vendê-las a um jornal? — quer saber o rapaz.

— Espera... — aconselha Selim.

Ali continua a trabalhar no mercado depois das aulas, porque precisa de rolos para a máquina. E também aproveita para tirar fotografias das pessoas que frequentam o mercado. Numa manhã de sábado, bem cedo, vê algumas crianças em cima duma ponte. Têm olhos grandes e tristes e estão a pescar. Ali fotografa-as. Depois, vai até ao andar de Selim, na parte velha da cidade, e mostra-lhe a fotografia das crianças na ponte. Selim contempla-a durante muito tempo.

— Isto sim! Estás a aprender depressa.

— O senhor é muito meu amigo. É um autêntico professor!

— Gosto de te ensinar. És como um filho para mim — diz o idoso.

Certo dia, Ali vê a Sra. Yildiz, mas afasta-se rapidamente.

— Ali, Ali, porque foges? — pergunta ela.

Ali detém-se.

— Eu sou muito orgulhoso… O Yusuf contou-lhe o que aconteceu?

E Ali relata o sucedido no jornal...

— Estou muito arrependido!

— Não sei do que estás a falar. Só sei que uma das tuas fotografias vem hoje no jornal.

— Uma fotografia minha no jornal? Qual delas?

— Uma com duas crianças numa ponte a pescar um grande peixe.

— Estou tão contente, Sra. Yildiz! — diz Ali, e ri, satisfeito. — Posso levar os seus sacos?

— Não, obrigada. Vai para casa.

O rapaz corre para a loja de Selim.

— A minha fotografia saiu no jornal!

— Saiu, pois. Ora vê só — diz Selim, mostrando-lhe o jornal.

— Mas... não percebo. Como foi ela aí parar? Foi o senhor que a mostrou ao Yusuf!

Selim sorri e diz:

— Mas olha que não podes parar de aprender!

— Tem toda a razão! — concorda Ali.

— Amanhã é um dia muito importante para ti — continua Selim.

— Não percebo — diz Ali.

— O jornal tem uma vaga para um estágio de fotografia. E o estagiário és tu. Amanhã começas um novo trabalho!

E desatam os dois a rir.

Raymond Pizante

Ali and his camera




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