— O que estás a fazer? — pergunta-lhe a mãe.
— Estou a fotografar estes barcos — responde Ali.
A mãe olha para o filho e ri.
— A fotografar? Mas como podes tu fotografar, se nem sequer tens máquina?
— Isso sei eu, mãe! Por isso estou a tirar fotografias com a minha cabeça, que é onde as posso ver.
Ali aponta um sítio junto dos olhos e a mãe ri de novo.
— Deixa-te de brincadeiras e vai para a loja do teu pai! — diz ao filho.
O pai de Ali vende legumes e frutas e o rapaz trabalha na loja depois da escola.
— Não te mexas! Fica junto da porta — diz Ali, de repente, quando chega junto do pai.
— Porquê? — pergunta este.
— Quero tirar-te uma fotografia!
O pai sorri.
— Uma fotografia? Primeiro, tens de arranjar uma máquina. Depois, podes tirar-me uma fotografia.
— Compra-me uma máquina, pai! — pede Ali.
O sorriso do pai desvanece-se.
— Não tenho dinheiro para máquinas… — diz, devagar.
Todas as tardes, Ali vai passear na parte velha de Istambul, e observa as casas construídas junto da água. Algumas são muito velhas. Depois, olha para os homens que estão na ponte a pescar. Por fim, dirige o olhar para os barcos. E fotografa tudo com a mente. “Como hei-de arranjar uma máquina?”, pensa. De repente, a resposta surge-lhe. “Já sei, vou trabalhar no mercado!”
Perto da escola de Ali existe um mercado velho, com pequenas lojas onde se compra e vende comida. Todas as tardes, depois da escola, o rapaz dirige-se para lá. Trabalha sempre com um sorriso, carregando os sacos dos clientes. As pessoas gostam dele e dão-lhe algum dinheiro, que Ali logo mete no bolso.
— Um dia vou ter muito dinheiro — diz à mãe. — Depois, compro uma máquina e tiro-te uma fotografia na cozinha.
— Na cozinha não! — diz a mãe. — Tiras-me uma na varanda, com o teu pai.
— Na varanda não! — diz o pai. — Na minha loja.
Uma tarde, Ali carrega um saco pesado para um cliente idoso.
— Está um homem a seguir-nos — diz o velhote. — Conhece-lo?
Ali olha para o homem alto e forte atrás deles e responde:
— Não, não conheço. Não trabalha no mercado.
— Toma bem conta do meu saco. Talvez seja um ladrão! — diz o cliente.
Ali pensa no dinheiro que tem no bolso e sugere:
— Vamos caminhar mais depressa.
— Eu não posso andar mais depressa. Tu sim, que és novo! — queixa-se o velho.
De repente, o homem alto e forte agarra no saco que Ali transporta e desata a fugir. O rapaz vai atrás dele, mas o ladrão agride-o. Ali cai e o dinheiro sai-lhe do bolso. O homem pousa o saco, pega no dinheiro e foge. Ali devolve o saco ao velhote.
— Muito obrigado. És um rapaz muito bondoso — agradece o cliente.
Ali fica triste, mas não fala do dinheiro que perdeu. Nessa noite, nem sequer conta o sucedido aos pais. “Posso sempre recomeçar”, pensa.No dia seguinte, está de novo no mercado, à espera de trabalho, no meio da algazarra. De repente, uma senhora de idade vem ter com ele e pede:
— Podes carregar estes dois sacos para mim? Vivo junto da estátua de Ataturk.
Enquanto Ali transporta os sacos, a senhora pergunta:
— São muito pesados?
— Não para mim, que sou forte! — responde Ali.
Chegam, por fim, junto da estátua de Ataturk. A senhora comenta:
— Lembro-me de Ataturk, porque foi um homem muito importante para a Turquia.
— Posso tirar-lhe uma fotografia junto da estátua — oferece-se Ali.
— E onde está a tua máquina fotográfica? — admira-se ela.
— Não tenho — diz Ali.
A senhora olha para ele e sorri.
— Tira lá a minha fotografia sem máquina. Mas primeiro, deixa-me arranjar o cabelo.
Chegam à rua onde a cliente vive e o rapaz carrega os sacos até ao andar dela. É um andar espaçoso, cheio de fotografias.
— Quanto dinheiro queres? — pergunta a senhora.
— Quanto dinheiro me quer dar? — returque ele.
— Senta-te e espera — pede a cliente.
Dirige-se a um pequeno quarto e volta com uma máquina fotográfica nas mãos.
— Esta foi a primeira máquina do meu filho. Fica com ela — oferece.
Ali fixa a máquina durante um bom bocado. Por fim, pega nela, mas logo a devolve.
— É uma máquina muito bonita, mas não posso ficar com ela.
A senhora pega na mão do rapaz e coloca a máquina nela.
— O meu filho já não a quer, porque agora tem uma nova.
— Como posso agradecer-lhe? — pergunta Ali.
— Volta cá um dia e tira-me uma fotografia. Uma fotografia a sério. E, agora, aqui tens o dinheiro de hoje.
— Não posso aceitar dinheiro algum! Mas posso transportar os seus sacos outra vez — diz Ali.
— És um bom rapaz. Lembra-te do meu nome: Sra. Yildiz.
— Não me esquecerei, Sra. Yildiz.
— Adeus, Ali. Tira boas fotografias com a máquina do meu filho.
Ali corre para casa e conta à mãe o que aconteceu.
— A máquina funciona? — quer saber a mãe.
— Claro que funciona. Vou agora mesmo tirar-te uma fotografia.
— Mas nem tem rolo, filho.
A mãe dá-lhe algum dinheiro e diz:
— Vai comprar um rolo que eu vou comprar um vestido novo. Depois, tiras-me uma fotografia.
— Obrigado, mãe! Mas eu quero comprar rolos com o meu dinheiro e não com o teu.
E Ali continua a trabalhar todos os dias no mercado, depois das aulas, e chega tarde a casa. “Esta vida é bem difícil”, pensa. “As pessoas trabalham muito e recebem pouco.” Mas chega o dia em que já tem dinheiro suficiente para comprar um rolo. “Agora já posso tirar fotografias a sério”, diz para consigo. Lembra-se da Sra. Yildiz e vai até casa dela. Quando ela abre a porta e o vê, fica muito contente. Ali diz:
— Quero tirar-lhe uma fotografia.
Vão até à cozinha, onde um homem alto bebe café.
— Este é o meu filho Yusuf. Tira-nos uma fotografia aos dois. Senta-te junto de mim, Yusuf.
— Sorriam, por favor — pede Ali.
— O Yusuf trabalha num jornal e pode ensinar-te a tirar fotografias — diz a Sra. Yildiz.
Ali fita Yusuf e pergunta:
— Pode? É que eu quero aprender a tirar boas fotografias.
Yusuf sorri.
— Tira algumas fotografias por aí e depois aparece no jornal a mostrar-mas.
— Vou tirar o máximo que puder. Tenho-as todas na minha cabeça — diz o rapaz.
Ali passeia pelas ruas de Istambul que, de repente, lhe parece uma cidade muito bonita. Tira fotografias de pontes, de barcos e de mesquitas antigas. Também tira fotografias de pessoas nas ruas e nas lojas. Um dia, decide ir até ao jornal falar com Yusuf. Yusuf contempla as fotografias e diz:
— Bem, não estão mal...
— Não estão mal? — Admira-se Ali.
— Não, as tuas fotografias não estão mal.
— Não estão boas? — Insiste o rapaz.
— Algumas estão, mas outras não — diz, sincero, Yusuf.
Ali fica aborrecido e pede as fotografias de volta. Yusuf não percebe a atitude do rapaz. Este regressa a casa e conta à mãe o que aconteceu.
— Não foste muito inteligente, filho. Não és propriamente um fotógrafo famoso...
Ali sente-se triste consigo mesmo.
— Às vezes, abro a boca e falo sem pensar.
— Vai ter com Yusuf e pede-lhe desculpa.
— Agora não me sinto capaz. Estou zangado.
Ali deambula pelas ruas e vai-se perguntando: “Porque me afastei de Yusuf? Não foi uma atitude correcta. Porque não pensei primeiro? Porque.”
De repente, repara numa pequena loja de fotografia. Entra e vê um idoso sentado a uma mesa. O nome dele é Selim e tem uma cara prazenteira.
— Gosto muito da sua loja. Tem máquinas bonitas. Queria trabalhar consigo — diz Ali.
— Mas eu não posso pagar-te — explica o velho.
— Não quero dinheiro. Quero aprender a tirar fotografias. Por favor, veja as minhas — pede o rapaz.
Selim observa-as e comenta:
— Cada um de nós vê através dos seus olhos. Mas os bons fotógrafos vêem as coisas através da lente da máquina.
E Ali começa a sua aprendizagem. Primeiro tira fotografias de pessoas. Depois fotografa portas e janelas.
— As portas e as janelas também têm vida — explica Selim.
Na cidade, há sempre muitas crianças a trabalhar nas lojas, ou a vender fruta, bebidas frescas e jornais nas ruas. Essas crianças sorriem com a cara mas não com os olhos. Ali mostra as fotografias a Selim.
— Gosta delas? — pergunta.
— Gosto. Estás a aprender. Estás a aprender a fazer fotografias.
— Quando poderei vendê-las a um jornal? — quer saber o rapaz.
— Espera... — aconselha Selim.
Ali continua a trabalhar no mercado depois das aulas, porque precisa de rolos para a máquina. E também aproveita para tirar fotografias das pessoas que frequentam o mercado. Numa manhã de sábado, bem cedo, vê algumas crianças em cima duma ponte. Têm olhos grandes e tristes e estão a pescar. Ali fotografa-as. Depois, vai até ao andar de Selim, na parte velha da cidade, e mostra-lhe a fotografia das crianças na ponte. Selim contempla-a durante muito tempo.
— Isto sim! Estás a aprender depressa.
— O senhor é muito meu amigo. É um autêntico professor!
— Gosto de te ensinar. És como um filho para mim — diz o idoso.
Certo dia, Ali vê a Sra. Yildiz, mas afasta-se rapidamente.
— Ali, Ali, porque foges? — pergunta ela.
Ali detém-se.
— Eu sou muito orgulhoso… O Yusuf contou-lhe o que aconteceu?
E Ali relata o sucedido no jornal...
— Estou muito arrependido!
— Não sei do que estás a falar. Só sei que uma das tuas fotografias vem hoje no jornal.
— Uma fotografia minha no jornal? Qual delas?
— Uma com duas crianças numa ponte a pescar um grande peixe.
— Estou tão contente, Sra. Yildiz! — diz Ali, e ri, satisfeito. — Posso levar os seus sacos?
— Não, obrigada. Vai para casa.
O rapaz corre para a loja de Selim.
— A minha fotografia saiu no jornal!
— Saiu, pois. Ora vê só — diz Selim, mostrando-lhe o jornal.
— Mas... não percebo. Como foi ela aí parar? Foi o senhor que a mostrou ao Yusuf!
Selim sorri e diz:
— Mas olha que não podes parar de aprender!
— Tem toda a razão! — concorda Ali.
— Amanhã é um dia muito importante para ti — continua Selim.
— Não percebo — diz Ali.
— O jornal tem uma vaga para um estágio de fotografia. E o estagiário és tu. Amanhã começas um novo trabalho!
E desatam os dois a rir.
Raymond Pizante
Ali and his camera
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