Editorial
Greve
Paulo Barriga
Foi ontem, a greve. Foi
grave, a greve? A resposta
é tramada. O Governo
e os sindicatos andarão
por esta altura a contabilizar
a gravidade da greve. E, como
sempre, a greve não terá sido
assim tão grave para uns,
como o foi certamente para os
outros. O grave desta greve, a
anterior também já apontava
nesse sentido, é que a greve,
as greves gerais, estas, alteraram
o paradigma da própria
greve. Antes do abismo,
fazer a greve era uma questão
do foro dos direitos dos trabalhadores.
Depois do afundanço,
é coisa do campo dos
deveres dos cidadãos. Porque
após a nossa perda da independência
nacional para a
Alemanha, a greve passou do
trabalho para a sobrevivência.
E temos visto nos últimos
tempos, repetidamente, na
Europa e na margem sul do
Mediterrâneo, que quando
a questão está do lado da sobrevivência,
é muito raro
que os governos lhe sobrevivam.
Mesmos os mais férreos.
Mesmo os melhor engravatados.
Pode ser uma
questão de tempo. Apenas
isso. Mas não há volta a dar-lhe.
É da lei da sobrevivência
de que agora falamos.
E não do simples direito à
greve. A soberania de uma
nação assenta num tridente
elementar: órgãos representativos,
território, povo. E
povo é aquela palavrinha tramada
e pegajosa que, ao fim
de três décadas, em Portugal,
deixou de ter a tal valia ideológica,
a tal pertença a esta ou
àquela força política. A este
ou àquele sindicato. O povo,
que faz a greve, está como
as próprias greves, indomável.
Indignado. Porque deixou
de acreditar nos seus órgãos
representativos. Deixou
de acreditar, apenas. Por isso
mesmo faz da greve um dever.
E já não apenas um direito.
E isso da greve ser um
dever é mesmo muito grave.
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