Amigdalite
Paulo Barriga
Adquirir uma amigdalite,
hoje, é meio caminho
andado para apanhar
uma depressão. Especialmente
se a amigdalite for daquelas
malandras, daquelas que reivindicam
penicilina, daquelas
que deixam o portador à beira
da Antártida e no instante seguinte
em pleno Saara, daquelas
que pedem caminha. E é
aqui, na caminha, que a amigdalite
pode evoluir alegremente
para a depressão. Isto se o enfermo
tiver a lembrança de passar
as febres a apalpar os botões
do comando da televisão. É que
num instante pode ficar a saber
que no dia seguinte está no desemprego
com uma indemnização
miserável. Que o Estado
vai despedir gente com fartura.
Que o Governo percebeu que havia
pessoas a mais em Portugal
e quer mandar alguns para o estrangeiro.
Que a miséria atravessa
o País de lés a lés. Mas que
o FMI acredita que está tudo no
bom caminho. Só que o caminho,
como nas Aventuras do
João Sem Medo, é longo, áspero
e com muitos mais engulhos do
que aqueles que até agora se passaram.
Sem fim à vista, portanto.
Uma história simples.
José Gomes Ferreira imaginou
uma aldeia de choramingas,
Chora-Que-Logo-Bebes, rodeada
por uma floresta repleta de
seres improváveis e fantásticos.
É claro que ninguém naquela aldeia
em tempo algum se atreveu
a saltar o muro. Até que um dia,
João Sem Medo resolveu partir à
aventura. E conheceu a Fada dos
Dois Caminhos, o Homem sem
Cabeça, a Menina de Cristal, o
Gramofone com Asas, o Príncipe
das Orelhas de Burro, o Cavalo
de Dom Quixote, a Princesa n.º
46734, o João Medroso, a Menina
dos Pés Ocos. E depois de tanta
aventura e conhecimento voltou
a casa. Não para dizer aos
restantes choraquelogobebenses
para deixarem de se lamentar,
mas sim para abrir uma fábrica
de lenços. E enriquecer. Isto, não
sei por que razão, faz-me lembrar
o regresso de grande parte
dos nossos atuais e ilustrados e
bem preparados governantes à
Pátria. Ou talvez seja apenas da
febre, maldita amigdalite
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