Editorial
Ecce Homo
Paulo Barriga
Antes de lavar as mãos e
de O entregar aos seus
próprios, Pôncio Pilatos
terá recebido Jesus com as palavras:
“eis o homem”. O tipo
de quem se fala. Desnudado.
Humilhado. Acorrentado. Esfacelado
por uma coroa de espinhos:
“eis o homem”. Uma simples
expressão de circunstância
que o Evangelho, segundo São
João, perpetuou. E que a própria
Igreja se habituou, desde os seus
primórdios, a atribuir às representações
artísticas em que o
Na zareno aparece em pleno flagelo:
“eis o homem”. No Museu
Regional de Beja existe um dos
mais intrigantes e misteriosamente
belos Ecce Homo que
a Humanidade pode contemplar.
Trata-se de um retrato a
óleo, sobre tábua, da escola primitiva
portuguesa. Uma representação
em estilo gótico onde
Cristo aparece sob um imaculado
manto branco que lhe cobre
a cabeça até aos olhos, mas que
Lhe desnuda o torso. As mãos,
cruzadas à frente, estão atadas
pela mesma corda que Lhe circunda
o pescoço. É uma obra,
arrepiante, esta. Onde a tranquila
harmonia do traço se confunde
com o gritante sofrimento
do Retratado, misteriosamente.
Mas este é apenas um dos muitos
tesouros que a coleção de
pintura do museu guarda. Como
tesouros incomparáveis existem
nas demais coleções que o
telhado do convento de Nossa
Senhora da Conceição ainda vai
abrigando. O Museu Regional de
Beja tem um acervo ímpar e riquíssimo.
Que pertence a todos
nós. E que está em vias de ser encerrado
por incumprimento orçamental
por parte da Câmara
de Beja. O museu é propriedade
da Assembleia Distrital,
mas está em Beja. Todas as autarquias
do distrito devem contribuir
para sua preservação
e valorização. Mas deve caber
ao município bejense o grosso
da sua sustentação. O museu é
um orgulho para a cidade e não
um peso. E aquele que hoje ousar
lavar dali as mãos, como
em tempos o fez o administrador
romano de Jerusalém, ficará
igualmente para a história
da infâmia. Mas, ao contrário de
Pilatos, na ocasião certa,
Serão as pessoas a apontar e
A exclamar: “eis o homem”…
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