quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Diário do Alentejo Edição nº 1556


Editorial


Ecce Homo

Paulo Barriga

Antes de lavar as mãos e

de O entregar aos seus

próprios, Pôncio Pilatos

terá recebido Jesus com as palavras:

“eis o homem”. O tipo

de quem se fala. Desnudado.

Humilhado. Acorrentado. Esfacelado

por uma coroa de espinhos:

“eis o homem”. Uma simples

expressão de circunstância

que o Evangelho, segundo São

João, perpetuou. E que a própria

Igreja se habituou, desde os seus

primórdios, a atribuir às representações

artísticas em que o

Na zareno aparece em pleno flagelo:

“eis o homem”. No Museu

Regional de Beja existe um dos

mais intrigantes e misteriosamente

belos Ecce Homo que

a Humanidade pode contemplar.

Trata-se de um retrato a

óleo, sobre tábua, da escola primitiva

portuguesa. Uma representação

em estilo gótico onde

Cristo aparece sob um imaculado

manto branco que lhe cobre

a cabeça até aos olhos, mas que

Lhe desnuda o torso. As mãos,

cruzadas à frente, estão atadas

pela mesma corda que Lhe circunda

o pescoço. É uma obra,

arrepiante, esta. Onde a tranquila

harmonia do traço se confunde

com o gritante sofrimento

do Retratado, misteriosamente.

Mas este é apenas um dos muitos

tesouros que a coleção de

pintura do museu guarda. Como

tesouros incomparáveis existem

nas demais coleções que o

telhado do convento de Nossa

Senhora da Conceição ainda vai

abrigando. O Museu Regional de

Beja tem um acervo ímpar e riquíssimo.

Que pertence a todos

nós. E que está em vias de ser encerrado

por incumprimento orçamental

por parte da Câmara

de Beja. O museu é propriedade

da Assembleia Distrital,

mas está em Beja. Todas as autarquias

do distrito devem contribuir

para sua preservação

e valorização. Mas deve caber

ao município bejense o grosso

da sua sustentação. O museu é

um orgulho para a cidade e não

um peso. E aquele que hoje ousar

lavar dali as mãos, como

em tempos o fez o administrador

romano de Jerusalém, ficará

igualmente para a história

da infâmia. Mas, ao contrário de

Pilatos, na ocasião certa,

Serão as pessoas a apontar e

A exclamar: “eis o homem”…




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