Editorial
Malmequeres
Paulo Barriga
No único romance que
fez de Clara Pinto Correia
uma escritora à séria, o
Adeus Princesa, nalgum instante
da narrativa existe uma ligeira passagem
onde a autora fala da perversidade.
E que ela, a malvadez,
grande parte das vezes está muito
bem camuflada. Escondida dos
olhos de quem olha sem reparar,
sem ver, sem querer ver. No caso
do livro, escondida entre os malmequeres.
A perversidade disfarçada
sob a alegre existência das pequenas
florzinhas que cobrem na
primavera os campos do Alentejo.
Uma imagem singela que resume
grandemente o psicodrama da rapariga
aldeã que, em desespero, assassina
o seu namorado alemão.
Ou, tão recentemente, a desgraça
da rua de Moçambique. Mas não
é pela perversão que hoje nos valem
os malmequeres: é por eles
próprios, igualmente perversos.
Enganados pelo clima que faz, que
ainda não é o deles, desataram já a
exibir aqui e ali o seu resplendor.
Sem respeito pelas estações, desobedecendo
à hierarquia do tempo,
transgredindo o momento, que
não é o seu. Por enquanto. Os malmequeres
são como os meteorologistas
da televisão: sol de inverno é
sinónimo de bom tempo. Mas este
solzinho de fevereiro, que permitiu
impunemente que as bailarinas
brasileiras desfilassem em tanga
nos corsos de Carnaval, este solzinho
apetitoso, traz, agarrado ao seu
benevolente aconchego, o tal brilho
enganador que até faz os malmequeres
despontarem fora de tempo.
Tal como os dias vão passando,
2012 será um ano de seca severa.
O que, no Alentejo, que apenas sobrevive
dos serviços da cidade e da
agricultura nos campos, se apresenta
como um cenário sinistro, a
juntar ao catastrófico atoleiro económico
e financeiro para onde empurraram
o País. A chegada antecipada
dos malmequeres à charneca
é o anúncio adiantando que a catástrofe
se pode abater ainda com
mais vigor sobre o Alentejo. Este
ano. Alguém deveria fazer chegar
um ramalhete de margaças
à ministra da Agricultura, agora
quando ela tiver que recorrer a dinheiros
extraordinários para fazer
face aos malefícios do “bom
tempo”. E para lhe recordar que a
natureza é assim mesmo, implacável.
Restando ao homem alguma
esperteza para se precaver
por antecipação.
Dizia-se, durante largos
milhões de euros,
que era para isso que
servia o Alqueva.
Não era?
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