quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Diário do Alentejo Edição 1557

Editorial


Malmequeres

Paulo Barriga

No único romance que

fez de Clara Pinto Correia

uma escritora à séria, o

Adeus Princesa, nalgum instante

da narrativa existe uma ligeira passagem

onde a autora fala da perversidade.

E que ela, a malvadez,

grande parte das vezes está muito

bem camuflada. Escondida dos

olhos de quem olha sem reparar,

sem ver, sem querer ver. No caso

do livro, escondida entre os malmequeres.

A perversidade disfarçada

sob a alegre existência das pequenas

florzinhas que cobrem na

primavera os campos do Alentejo.

Uma imagem singela que resume

grandemente o psicodrama da rapariga

aldeã que, em desespero, assassina

o seu namorado alemão.

Ou, tão recentemente, a desgraça

da rua de Moçambique. Mas não

é pela perversão que hoje nos valem

os malmequeres: é por eles

próprios, igualmente perversos.

Enganados pelo clima que faz, que

ainda não é o deles, desataram já a

exibir aqui e ali o seu resplendor.

Sem respeito pelas estações, desobedecendo

à hierarquia do tempo,

transgredindo o momento, que

não é o seu. Por enquanto. Os malmequeres

são como os meteorologistas

da televisão: sol de inverno é

sinónimo de bom tempo. Mas este

solzinho de fevereiro, que permitiu

impunemente que as bailarinas

brasileiras desfilassem em tanga

nos corsos de Carnaval, este solzinho

apetitoso, traz, agarrado ao seu

benevolente aconchego, o tal brilho

enganador que até faz os malmequeres

despontarem fora de tempo.

Tal como os dias vão passando,

2012 será um ano de seca severa.

O que, no Alentejo, que apenas sobrevive

dos serviços da cidade e da

agricultura nos campos, se apresenta

como um cenário sinistro, a

juntar ao catastrófico atoleiro económico

e financeiro para onde empurraram

o País. A chegada antecipada

dos malmequeres à charneca

é o anúncio adiantando que a catástrofe

se pode abater ainda com

mais vigor sobre o Alentejo. Este

ano. Alguém deveria fazer chegar

um ramalhete de margaças

à ministra da Agricultura, agora

quando ela tiver que recorrer a dinheiros

extraordinários para fazer

face aos malefícios do “bom

tempo”. E para lhe recordar que a

natureza é assim mesmo, implacável.

Restando ao homem alguma

esperteza para se precaver

por antecipação.

Dizia-se, durante largos

milhões de euros,

que era para isso que

servia o Alqueva.

Não era?




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