quinta-feira, 22 de março de 2012

Diário do Alentejo Edição 1561

Editorial
Velhos
Paulo Barriga
Há já um bom par de meses
que o “Diário do
Alentejo” anda em excursão
pelas aldeias da região.
Ainda esta semana fomos a
Santana de Cambas, Mértola.
E sempre que de lá voltamos,
das nossas aldeias, chegamos
mais abastados. Muito mais ricos
interiormente do que anteriormente
éramos quando para
lá fomos. Porque é lá que habitam,
de facto, os últimos resistentes.
Os guardiães da nossa
cultura, da nossa memória coletiva.
Ancestral. É lá que residem
os mais rijos e vigorosos
alentejanos. Ainda que tal vigor
e rijeza possam, de forma enganosa,
aparente, estar pendidos
num cajado ou enrodilhados debaixo
de um xaile negro. A desertificação
humana do Alentejo
é uma realidade inquestionável.
Assustadora, até. Mas o envelhecimento
das comunidades
rurais não é em si um problema.
Ou “o problema”. O abandono,
o isolamento, o esquecimento a
que estão votadas estas populações
é que é aflitivo. Envelhecer
é a coisa mais natural desta vida.
Conviver com a solidão e com
o silêncio que o corte geracional
faz é que mata. As nossas aldeias
estão pejadas de velhos. E
são eles, os sábios da nossa terra,
os nossos anciãos, os primeiros
a sofrer na pele as consequências
dos disparates que os doutores
que habitam os gabinetes das
cidades praticam. Para estes, viver
numa aldeia do Alentejo é sinónimo
de qualidade de vida.
Ainda que por lá possa não existir
médico, emprego, transportes
públicos, ruas pavimentadas,
ambulância ou até um
simples telefone. Qualidade de
vida. Ainda que os que por ali
teimam em sobreviver paguem
os mesmos impostos, a eletricidade
ao mesmo preço, os medicamentos
sem descontos, tal
como nas grandes cidades acontece.
E onde, supostamente, não
existe qualidade de vida. São os
velhos das nossas aldeias, persistentes
e firmes, que ainda fazem
de Portugal um todo. Um
país por inteiro. E não uma barcaça
cada vez mais entornada
para o litoral. Com uma cidade
colossal na proa que se afunda.
E onde dizem que até nem existe
qualidade de vida.


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