sábado, 31 de março de 2012

Diário do Alentejo Edição 1562


Editorial
A mar
Paulo Barriga
Não gosto de Lloret del
Mar. Nunca lá fui. Mas
não gosto. Dizem que é
a melhor praia da Catalunha. A
quinta estância de veraneio espanhola
em termos de capacidade
hoteleira. E de rendimentos
com o turismo. Mas não gosto.
Boa parte do dinheiro que lá entra
provém das visitas de alunos
finalistas do ensino secundário.
Que lá vão tentar viver a
vida toda em três ou quatro dias.
De uma só vez. Intensamente.
Livremente. Abruptamente.
Arrebatadamente. Não gosto de
Lloret del Mar. Talvez por inveja
deles. Por inveja de já não
ser como eles agora são. E de ter
gostado tanto de ter sido como
eles agora são. Excessivamente
jovens e descontroladamente sonhadores.
Não gosto de Lloret
del Mar por ciúmes. Ou talvez
não. Não gosto de os ver a abanar
o capacete. Beber como marujos
velhos. Fumar umas coisas.
Fazer umas baboseiras.
E morrer. Não gosto de Lloret
del Mar, de facto. Nem das viagens
de finalistas impostas aos
pais sob chantagem e às escolas
sob indiferença. Esta semana
morreu em Lloret del Mar
um aluno da Escola Secundária
de Castro Verde. Um aluno brilhante.
Amante das ciências e
apaixonado pela química. Um
colega exemplar. Um rapaz às
direitas. Filho único. Caiu de
uma varanda de um quinto andar.
Talvez por acidente. Castro
Verde está de luto. Melhor, está
em transe. Incapaz de conviver
com a falta, com a culpa, com
a frustração que a toda a hora
é relembrada pelos jornalistas
que sitiam a vila. Ao contrário
do recato, da decência e da precisão
com que o presidente da
câmara local repatriou e assistiu
psicologicamente os sobrevivos.
A escola colocou na parede
uma cinta negra em memória
do rapaz. Em memória da sua
juventude. Em memória de todos
os que lá foram e não ficaram.
Em memória de todos os
que tenham a vontade de lá ir.
Amar. E morrer um pedacinho
em Lloret.

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