Editorial
Abril
Paulo Barriga
Em nome do equilíbrio das
contas públicas e da competitividade
da economia
nacional, o Governo, nesta sua assumida
versão de marioneta obediente,
anda com vontade de abolir
do calendário alguns feriados.
Quatro. Dois que a Igreja há de escolher
de entre o seu rosário pessoal.
Outros dois provenientes do
paganismo histórico ou cultural.
Destes últimos, aqueles que parecem
mais em risco são o dia em
que celebramos o fim da realeza. O
outro, o dia em que sovámos os espanhóis
em definitivo e selámos a
nossa independência. Ou seja, em
nome da mais comovedoramente
patética das medidas inscritas no
memorando de desentendimento
entre a troika e os povo de Portugal,
vamos deixar cair dois dos principais
padrões que nos recordam a
nossa identidade, a nossa revolta,
a nossa soberania, a nossa diferença
e o direito que a ela temos: à
diferença. Qualquer mancebo de
Belém ou de São Bento sabe que a
extinção destes feriados é uma medida
do campo da sonsice e da hipocrisia.
Mero show-off. Que não
acrescenta nem mais um único parafuso
à nossa máquina produtiva.
E apenas nos apequena em termos
de soberania. Não deixa de ser
curioso o facto de o Governo, embora
cheio de vontadinha, ter colocado
logo de parte a possibilidade
de apagar o 1.º de Maio ou o 25 de
Abril. O povo é – tem sido – sereno.
Mas a governança não sabe até que
ponto pode ir a sua brandura. No
fundo, explora-o, expolia-o, mas
receia-o. E teme-o porque sabe que,
de quando em vez, quando espremido
para lá do tolerável, o povo, a
candura lusitana, acaba por ser ferozmente
fatal para os seus oprimentes.
Tal como aconteceu a 1 de
dezembro de 1640. Tal como aconteceu
a 5 de outubro de 1910. Tal
como aconteceu a 25 de abril de
1974. Tal como poderá muito bem
acontecer num destes dias. E aí, em
vez de nos livrarmos de alguns feriados,
teremos de acrescentar
nova data aos festejos da nação.
Com direito a foguetório, bombos
e a bonecos cabeçudos.
Titanic Acontece sempre que o homem
tenta dar a passada mais larga
do que a sua própria perna. O precipício
não faz parte dela, é a própria
História da Humanidade. E os
passos em frente são, afinal, meros
episódios, simples alegorias, dessa
mesma História. O Titanic naufragou
há 100 anos.
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