Editorial
“Castélo”
Paulo Barriga
Perder o
castelo de vista.
Se
é coisa que o bejense
não
pode é perder o castelo
de
vista. O “castélo”. Com
o
é tão aberto como apenas em
Beja
se consegue pronunciar. A
grande
torre de pedra é como
uma
espécie de farol negro no
meio
dos descampados. Tal
como
acontece com os náufragos,
avistá-la
ao longe é um sinal
de
que a salvação está eminente.
O
bom porto. Terra firme.
A
redenção do regresso. O castelo,
tremeluzindo
nas lonjuras
sob
a agressão solar, é a mais
calmante
das miragens que podem
acometer
qualquer bejense
abalado
e regressado. Aliás, era.
Quando
Beja era ainda uma comunidade,
uma
cidade, e não
apenas
um deserto com algumas
pessoas
em volta. O castelo
era
o seu símbolo maior. O
símbolo
que os poetas elevavam
ainda
mais. Que os cantadores
entoavam
com o é ainda mais
redondo.
Que as pessoas ofereciam
galantemente
a quem as
visitava.
El castillo que
alguns
espanhóis,
perdidos, procuravam
entre
as dissimuladoras
ruelas
do centro da cidade. E que
acabavam
descobrindo, por engano,
com
piada, na loja de plásticos
do
sr. Castilho. Há vários anos
a
esta parte que o castelo está interditado
ao
público. Acho que já
ninguém
sabe sequer as razões
para
tamanha violência. Está fechado
o
acesso à torre de menagem.
E
pronto. Mas o que verdadeiramente
está
encerrado não é
a
acessão ao monumento. É o cordão
umbilical
que liga os bejenses
à
sua cidade que está cortado. Essa
ligação
quase materna. Impedir as
novas
gerações de subir as escadarias
encaracoladas,
impedi-las de
contar
os degraus repetida e sempre
erradamente,
de reconhecer
em
cada pedra a assinatura do seu
talhador,
de fazer ecoar a sua eufórica
experiência
nas salas intermédias,
de
chegar bem, lá bem ao
alto,
e descobrir as vielas mais recônditas
da
cidade e o horizonte
em
toda a largura da rosa-dosventos,
impedi-las
de tudo isso é
contribuir
para o seu desenraizamento.
Subir
ao castelo é a verdadeira
comunhão
que o bejense estabelece
com
a sua cidade. É aí que
ele
por ela se enamora. E por isso
lhe
custa tanto perder o castelo de
vista.
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