quinta-feira, 19 de abril de 2012

Diário do Alentejo Edição 1565


Editorial

“Castélo”

Paulo Barriga

Perder o castelo de vista.

Se é coisa que o bejense

não pode é perder o castelo

de vista. O “castélo”. Com

o é tão aberto como apenas em

Beja se consegue pronunciar. A

grande torre de pedra é como

uma espécie de farol negro no

meio dos descampados. Tal

como acontece com os náufragos,

avistá-la ao longe é um sinal

de que a salvação está eminente.

O bom porto. Terra firme.

A redenção do regresso. O castelo,

tremeluzindo nas lonjuras

sob a agressão solar, é a mais

calmante das miragens que podem

acometer qualquer bejense

abalado e regressado. Aliás, era.

Quando Beja era ainda uma comunidade,

uma cidade, e não

apenas um deserto com algumas

pessoas em volta. O castelo

era o seu símbolo maior. O

símbolo que os poetas elevavam

ainda mais. Que os cantadores

entoavam com o é ainda mais

redondo. Que as pessoas ofereciam

galantemente a quem as

visitava. El castillo que alguns

espanhóis, perdidos, procuravam

entre as dissimuladoras

ruelas do centro da cidade. E que

acabavam descobrindo, por engano,

com piada, na loja de plásticos

do sr. Castilho. Há vários anos

a esta parte que o castelo está interditado

ao público. Acho que já

ninguém sabe sequer as razões

para tamanha violência. Está fechado

o acesso à torre de menagem.

E pronto. Mas o que verdadeiramente

está encerrado não é

a acessão ao monumento. É o cordão

umbilical que liga os bejenses

à sua cidade que está cortado. Essa

ligação quase materna. Impedir as

novas gerações de subir as escadarias

encaracoladas, impedi-las de

contar os degraus repetida e sempre

erradamente, de reconhecer

em cada pedra a assinatura do seu

talhador, de fazer ecoar a sua eufórica

experiência nas salas intermédias,

de chegar bem, lá bem ao

alto, e descobrir as vielas mais recônditas

da cidade e o horizonte

em toda a largura da rosa-dosventos,

impedi-las de tudo isso é

contribuir para o seu desenraizamento.

Subir ao castelo é a verdadeira

comunhão que o bejense estabelece

com a sua cidade. É aí que

ele por ela se enamora. E por isso

lhe custa tanto perder o castelo de

vista.

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