Editorial
Espiga
Paulo Barriga
Beja é uma cidade muito
particular. Especial até
quando é para o folguedo
e para os festejos. Na próxima
quinta-feira celebra-se o Dia da
Cidade. Quinta-feira da Ascensão.
Exatamente 40 dias após a Páscoa.
O tempo preciso que o Nazareno
despendeu com os seus semelhantes
depois de o terem pregado
numa cruz de pau. O tempo suficiente,
mais do que razoável, para
perceber que daqui não levava
grande coisa. Pois Beja festeja a sua
glória precisamente no dia em que
Jesus foi visto pela última vez entre
o comum dos mortais. Nesse misto
de esperança e de desalento. De espetativa
e de pânico. De júbilo e de
melancolia. Não há terra que tenha
assimilado tão profundamente os
impulsos psicológicos e emotivos
que estão na origem do seu próprio
dia. É essa a sua matriz, esse bipolarismo
mal resolvido e indisfarçável.
Qualquer lugarejo deste mundo
exulta pela chegada das suas festas.
Em Beja, assim-assim. Se calha a
haver bailarico e cantoria, é porque
os malandros que mandam nisto
esturram o dinheirinho todo em
bombas e bichaninas. Se não há pé
de dança, é porque os malandros
que mandam nisto esturraram o
dinheirinho todo saiba-se lá onde.
Beja não se importa com as suas
festas. Importa-se mais com a ressaca
das suas festas. Com o dia seguinte.
Com o varrer dos despojos.
Em tempos passados, as pessoas
da cidade costumavam ir para o
campo colher a espiga. Que é o símbolo
maior da fertilidade e da abundância.
Hoje compram espigas no
Facebook
aos vizinhos que têm na
farmville
. Beja é uma cidade agrícola
que, envergonhada, se acantonou
nos subúrbios mal-amanhados
que resultaram da miserável
expansão urbana das últimas duas
décadas. Beja é um monte no meio
da planície. Um monte grande e
belo e vistoso. Ainda. Sitiado por
searas, vinhedos e olivais. Mas as
pessoas que habitam os prédios da
cidade renegam essa dádiva. A sua
ruralidade não vai além da zona de
frutas e legumes do Pingo Doce.
Pelo que naturalmente deixaram
de juntar as espigas, as papoilas e
os ramos de oliveira. Num ramo
de esperança, fartura e alegria que
durava o ano inteiro. Dependurado
por detrás da porta da rua. Só nesta
terra que se rejeita a si própria poderia
ter nascido a mais sonsa das
expressões populares que este país
conhece: não há espiga!
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