quinta-feira, 10 de maio de 2012

Diário do Alentejo Edição 1568

Editorial
Espiga
Paulo Barriga
Beja é uma cidade muito

particular. Especial até

quando é para o folguedo

e para os festejos. Na próxima

quinta-feira celebra-se o Dia da

Cidade. Quinta-feira da Ascensão.

Exatamente 40 dias após a Páscoa.

O tempo preciso que o Nazareno

despendeu com os seus semelhantes

depois de o terem pregado

numa cruz de pau. O tempo suficiente,

mais do que razoável, para

perceber que daqui não levava

grande coisa. Pois Beja festeja a sua

glória precisamente no dia em que

Jesus foi visto pela última vez entre

o comum dos mortais. Nesse misto

de esperança e de desalento. De espetativa

e de pânico. De júbilo e de

melancolia. Não há terra que tenha

assimilado tão profundamente os

impulsos psicológicos e emotivos

que estão na origem do seu próprio

dia. É essa a sua matriz, esse bipolarismo

mal resolvido e indisfarçável.

Qualquer lugarejo deste mundo

exulta pela chegada das suas festas.

Em Beja, assim-assim. Se calha a

haver bailarico e cantoria, é porque

os malandros que mandam nisto

esturram o dinheirinho todo em

bombas e bichaninas. Se não há pé

de dança, é porque os malandros

que mandam nisto esturraram o

dinheirinho todo saiba-se lá onde.

Beja não se importa com as suas

festas. Importa-se mais com a ressaca

das suas festas. Com o dia seguinte.

Com o varrer dos despojos.

Em tempos passados, as pessoas

da cidade costumavam ir para o

campo colher a espiga. Que é o símbolo

maior da fertilidade e da abundância.

Hoje compram espigas no
Facebook
aos vizinhos que têm na

farmville
. Beja é uma cidade agrícola

que, envergonhada, se acantonou

nos subúrbios mal-amanhados

que resultaram da miserável

expansão urbana das últimas duas

décadas. Beja é um monte no meio

da planície. Um monte grande e

belo e vistoso. Ainda. Sitiado por

searas, vinhedos e olivais. Mas as

pessoas que habitam os prédios da

cidade renegam essa dádiva. A sua

ruralidade não vai além da zona de

frutas e legumes do Pingo Doce.

Pelo que naturalmente deixaram

de juntar as espigas, as papoilas e

os ramos de oliveira. Num ramo

de esperança, fartura e alegria que

durava o ano inteiro. Dependurado

por detrás da porta da rua. Só nesta

terra que se rejeita a si própria poderia

ter nascido a mais sonsa das

expressões populares que este país

conhece: não há espiga!

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