quinta-feira, 28 de junho de 2012

Diário do Alentejo Edição 1575

Editorial
Branco

Paulo Barriga
Não existe nada mais libertador

do que ter pela

frente uma folha de papel

em branco. E nela podermos

escrever ou desenhar ou riscar

aquilo que nos percorre as veias.

Atirar contra ela todos os fantasmas,

todas as ilusões, que nos assolam

a alma. As nossas inquietações.

As nossas divagações. Os

nossos devaneios. Angústias.

Realizações. Aflições. Paixões.

A nossa saudade. A folha em

branco, imaculada ainda, já dizia

Ernest Hemingway, é também

ela uma prisão, a mais cruel

das opressões, talvez. As quatro

paredes de uma cela solitária e silenciosa.

Mas contaminá-la com

algo nosso, corrompê-la com

as nossas letras, ainda que aparentemente

pouco ou nada possam

dizer, é de facto um exercício

de liberdade incomparável. É

o momento exato onde passamos

de carcereiros de nós próprios,

de angustiados opressores, a seres

imensamente livres. E foram

mais ou menos estas palavras que

me ocorreram na passada sexta -

-feira. Defronte de uma plateia

de reclusos do Estabelecimento

Prisional de Beja. Homens batidos

pela dureza da vida, assolados

pela injustiça, alguns, e os

outros pela desilusão, que ali estavam

à procura de um nadinha de

liberdade. Ou de esperança, pelo

menos. A ideia deles – e por isso

lá fui com o José Serrano, fotorrepórter,

e com a Aurora Correia,

paginadora – é fazer um jornal

na prisão. E a nossa ideia é ajudá -

-los a fazer um jornal na prisão.

E antes mesmo de passarmos à

prática falámos dos jornais, dos

outros, dos de cá de fora, que apenas

mostram desgraças e promiscuidades

entre os diversos poderes

do Estado. E a ganância pela

posse do dinheiro. A análise é deles.

Dos presos que querem ser

jornalistas. Jornalistas diferentes

dos jornalistas ditos a valer. Mais

capazes e honestos e justos e íntegros.

Porque, afinal, um jornal

é uma coisa séria demais para ser

levado com tanta e tamanha leviandade.

Um jornal, preencher

as páginas em branco de um jornal,

é um exercício de liberdade

incomparável. Foi o que eu ingenuamente

lhes disse. Como se

eles não soubessem disso. E não o

sentissem desmedidamente mais

do que eu.

Sem comentários: