Editorial
Branco
Paulo Barriga
Não existe nada mais libertador
do que ter pela
frente uma folha de papel
em branco. E nela podermos
escrever ou desenhar ou riscar
aquilo que nos percorre as veias.
Atirar contra ela todos os fantasmas,
todas as ilusões, que nos assolam
a alma. As nossas inquietações.
As nossas divagações. Os
nossos devaneios. Angústias.
Realizações. Aflições. Paixões.
A nossa saudade. A folha em
branco, imaculada ainda, já dizia
Ernest Hemingway, é também
ela uma prisão, a mais cruel
das opressões, talvez. As quatro
paredes de uma cela solitária e silenciosa.
Mas contaminá-la com
algo nosso, corrompê-la com
as nossas letras, ainda que aparentemente
pouco ou nada possam
dizer, é de facto um exercício
de liberdade incomparável. É
o momento exato onde passamos
de carcereiros de nós próprios,
de angustiados opressores, a seres
imensamente livres. E foram
mais ou menos estas palavras que
me ocorreram na passada sexta -
-feira. Defronte de uma plateia
de reclusos do Estabelecimento
Prisional de Beja. Homens batidos
pela dureza da vida, assolados
pela injustiça, alguns, e os
outros pela desilusão, que ali estavam
à procura de um nadinha de
liberdade. Ou de esperança, pelo
menos. A ideia deles – e por isso
lá fui com o José Serrano, fotorrepórter,
e com a Aurora Correia,
paginadora – é fazer um jornal
na prisão. E a nossa ideia é ajudá -
-los a fazer um jornal na prisão.
E antes mesmo de passarmos à
prática falámos dos jornais, dos
outros, dos de cá de fora, que apenas
mostram desgraças e promiscuidades
entre os diversos poderes
do Estado. E a ganância pela
posse do dinheiro. A análise é deles.
Dos presos que querem ser
jornalistas. Jornalistas diferentes
dos jornalistas ditos a valer. Mais
capazes e honestos e justos e íntegros.
Porque, afinal, um jornal
é uma coisa séria demais para ser
levado com tanta e tamanha leviandade.
Um jornal, preencher
as páginas em branco de um jornal,
é um exercício de liberdade
incomparável. Foi o que eu ingenuamente
lhes disse. Como se
eles não soubessem disso. E não o
sentissem desmedidamente mais
do que eu.
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