quinta-feira, 5 de julho de 2012

Diário do Alentejo Edição 1576


Editorial

Touro

Paulo Barriga

A cidade de Beja luta contra

uma inexplicável e cada

vez mais acentuada falta de

identidade. Falta de genuinidade.

De amor-próprio. De autoestima.

Ainda este mês, um inquérito da

Deco Proteste avaliou as capitais de

distrito do País. Um estudo focado

no ponto de vista dos seus habitantes

sobre um vasto conjunto de critérios

como o emprego, a saúde, o

ambiente, a cultura ou a mobilidade.

Beja não aparece no topo de

nenhum deles. Aliás, no conjunto,

os bejenses acham a sua cidade

péssima para viver. E essa situação

não advém do concreto. Beja,

é, de facto, uma cidade com bastante

qualidade de vida. Tranquila.

Pacata. Segura. As questões que

desmotivam os seus cidadãos não

se colocam do ponto de vista material.

Mas antes do lado da emoção.

Dos afetos. Da memória coletiva.

Hoje, os bejenses rejeitam a sua cidade

porque ela já nada lhes diz. Já

não a conhecem. Não aconteceu a

necessária transição cultural, identitária

e sentimental entre gerações.

Partiu-se o elo. E os despojos

que hoje restam de Beja são meros

e cada vez mais apagados relatos de

um tempo ausente. Que não se revelam

no presente. Nem deixam

qualquer margem de manobra

para o futuro. Beja já não existe.

Porque os bejenses deixaram de

querê-la. De a amar. De a descobrir.

De a sentir. Excluindo, talvez,

a Ovibeja, nenhum outro estímulo

é capaz de agitar o âmago dos

bejenses em função da sua terra.

Beja necessita de tornar urgentemente

aos seus símbolos maiores,

à sua identidade, à sua história, aos

seus poetas. O espírito de Mariana

Alcoforado vagueia nas ruínas do

Convento da Conceição. Os amores

de Almutâmide estão devassados

num monumento patético e abandonado.

As águias reais já não circundam

a torre do castelo. A praça

da República é um reles parque de

estacionamento. E era lá, no centro

da praça, num irrepetível chão

de calçada portuguesa, que estava

desenhada a cabeça de um touro. O

touro da lenda de Beja. O touro da

nossa identidade, o nosso símbolo

maior, como referiu José Rabaça

Gaspar, esta semana, na apresentação

do livro Lendas de Beja. O

símbolo maior da própria Europa.

Que agora está tão atingida na sua

génese cultural, como Beja moribunda

está.

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma leitura cruel e muito dura. Mas infelizmente verdadeira. Parabéns ao autor.
Hemeregildo Santos