sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Diário do Alentejo Edição 1581


EDITORIAL

Sovacos

Paulo Barriga
Não há fenómeno de massas mais intrigante do que este. Pelo menos aqui, no que respeita à nossa região. Mal chega agosto e toma-te lá, que aqui vão eles para Monte Gordo. Monte Gordo é apenas a designação particular para toda a gigantesca baia que vai desde o pico da areia de Vila Real de Santo António até aos inícios da ria Formosa. Uma bela e quentinha banheira de água salgada e de areia pejada de conquilhas. Então para as famelgas de Beja, é um ver se te avias. Há até uma velha anedota que fala nisso. Monte Gordo é o único local do mundo onde os bejenses conseguem queimar os sovacos. De tanto acenarem uns aos outros. Repetida e efusivamente. Talvez a autarquia tenha razão quando se diz empenhada, ou pelo menos interessada, em fundar uma praia nas azenhas de Quintos. Talvez o que falte mesmo a esta cidade, como no início do século XX faltou a Messejana, seja mesmo isso: uma praia. Uma bela praia onde, com despudor, o bejense possa exibir a sua barriguinha, a sua chanata, o seu verdadeiro eu revolto no açúcar das bolinhas de Berlim. É que não é preciso muito, basta percorrer com os olhos o portfólio fotográfico que o José Serrano hoje nos oferece nas páginas centrais, para percebermos como a cidade se finou. E como, ao inverso, os seus habitantes ressuscitam bruscamente nos areais de Monte Gordo. Beja perdeu toda e qualquer pinga de sociabilidade. Mas os bejenses, roscando os pés nas conquilhas de Monte Gordo, tornam-se verdadeiros comunicadores, verdadeiros animais sociais. Como nos conta a jornalista Bruna Soares nas cavaqueiras que com eles lá teve e que agora nos desvenda em reportagem. As imperiais que não se bebem nas esplanadas da cidade são vingadas solenemente nas cadeiras de Monte Gordo. As conversas que ficam dentro das casas de Beja são intensamente arejadas pela maresia do sotavento. Os sorrisos que Beja parece já não merecer estão colados com Araldite nas faces dos veraneantes que galgam o calçadão de Monte Gordo, de trás para diante, uma e outra vez, pela noite dentro. O amuo coletivo que lhes conhecemos apenas ali é capaz de dar lugar ao resplendor da alegria. Alegria. É isso que Monte Gordo, debaixo de insondável mistério, sob uma qualquer sombrinha de praia, oferece aos bejenses. Coisa que lhes falta durante todo o ano na sua cidade. Alegria. Será que isto se resolve construindo uma praia no Guadiana?


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