Editorial
Ultimato
Paulo Barriga
Apesar de nada ser definitivo
na política, hoje assinala-
se com feriado nacional
o “último” 5 de Outubro.
Festejávamo-lo deste 1911. Com
desordenado entusiasmo até ao
golpe militar de 1926. Com bafienta
contenção durante o Estado
Novo. E com progressivo desinteresse
desde o 25 de Abril de 1974.
A República, o regime republicano,
para o bem e para o mal, é dos poucos
assuntos importantes para a
sua vida em coletivo que o povo
português tem como adquirido.
Sobre o qual existe clareza e unanimidade.
É quase um não assunto.
Talvez por isso agora se extinga a
celebração da nossa única certeza
coletiva por imposição ou ingerência
externa. Sem se levantarem
grandes ondas. Sem se olhar para
trás. Sem qualquer tipo de respeito
pela matriz fundamental do nosso
Estado de direito. Deixámos, assim,
nas mãos da tecnocracia e do
economicismo de pacotilha, o poder
de se decidir sobre aquilo que
para nós é elementar. Ainda que
no campo simbólico. Muitas vezes
confundimos a República, os ideais
extremosos da República, com
o período assanhado e desregrado
do republicanismo. No entanto é
lá, nas aspirações e nos objetivos
formadores da República, na igualdade,
na fraternidade, na liberdade,
que reside tudo aquilo que deixámos
ir embora. E que agora reclamamos
com desespero nas ruas.
A República, a nossa, nunca esteve
tão doente como agora está. Porque
os seus agentes políticos, então
como hoje, nunca estiveram à sua
altura. Mas não será demasiado relembrar
que foi a intromissão estrangeira
nos assuntos pátrios que
precipitou a queda da monarquia
em Portugal. E que desde o tempo
do ultimato britânico que este País,
este povo, nunca foi tão acossado e
humilhado como agora está a ser.
Costuma dizer-se que a História
não se repete. Mas que ela deixa
(deveria deixar) sábios ensinamentos,
disso não restam dúvidas.
Vivemos tempos fraturantes. De
fora, impõem-nos a miséria. O País
está vergado. O Governo anda num
desnorte nunca visto. O Presidente
da República é um ser insípido e
desinteressante. Os partidos políticos
perderam a credibilidade. O
empobrecimento da população é
aflitivo. As empresas deixaram de
gerar riqueza e emprego. A depressão
é assustadora e geral. E hoje celebramos
pela última vez a implantação
da República Portuguesa.
Celebramos pela última vez os ideais
que nos deviam precisamente
nortear na fuga desta crise. Deixar
de celebrar a República é aceitar de
ânimo leve o duríssimo ultimato
alemão. Com os ingleses a coisa resultou
mal à coroa. Será que estes
se escapam melhor?
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