quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Diário do Alentejo Edição 1589



Editorial


Ultimato

Paulo Barriga

Apesar de nada ser definitivo

na política, hoje assinala-

se com feriado nacional

o “último” 5 de Outubro.

Festejávamo-lo deste 1911. Com

desordenado entusiasmo até ao

golpe militar de 1926. Com bafienta

contenção durante o Estado

Novo. E com progressivo desinteresse

desde o 25 de Abril de 1974.

A República, o regime republicano,

para o bem e para o mal, é dos poucos

assuntos importantes para a

sua vida em coletivo que o povo

português tem como adquirido.

Sobre o qual existe clareza e unanimidade.

É quase um não assunto.

Talvez por isso agora se extinga a

celebração da nossa única certeza

coletiva por imposição ou ingerência

externa. Sem se levantarem

grandes ondas. Sem se olhar para

trás. Sem qualquer tipo de respeito

pela matriz fundamental do nosso

Estado de direito. Deixámos, assim,

nas mãos da tecnocracia e do

economicismo de pacotilha, o poder

de se decidir sobre aquilo que

para nós é elementar. Ainda que

no campo simbólico. Muitas vezes

confundimos a República, os ideais

extremosos da República, com

o período assanhado e desregrado

do republicanismo. No entanto é

lá, nas aspirações e nos objetivos

formadores da República, na igualdade,

na fraternidade, na liberdade,

que reside tudo aquilo que deixámos

ir embora. E que agora reclamamos

com desespero nas ruas.

A República, a nossa, nunca esteve

tão doente como agora está. Porque

os seus agentes políticos, então

como hoje, nunca estiveram à sua

altura. Mas não será demasiado relembrar

que foi a intromissão estrangeira

nos assuntos pátrios que

precipitou a queda da monarquia

em Portugal. E que desde o tempo

do ultimato britânico que este País,

este povo, nunca foi tão acossado e

humilhado como agora está a ser.

Costuma dizer-se que a História

não se repete. Mas que ela deixa

(deveria deixar) sábios ensinamentos,

disso não restam dúvidas.

Vivemos tempos fraturantes. De

fora, impõem-nos a miséria. O País

está vergado. O Governo anda num

desnorte nunca visto. O Presidente

da República é um ser insípido e

desinteressante. Os partidos políticos

perderam a credibilidade. O

empobrecimento da população é

aflitivo. As empresas deixaram de

gerar riqueza e emprego. A depressão

é assustadora e geral. E hoje celebramos

pela última vez a implantação

da República Portuguesa.

Celebramos pela última vez os ideais

que nos deviam precisamente

nortear na fuga desta crise. Deixar

de celebrar a República é aceitar de

ânimo leve o duríssimo ultimato

alemão. Com os ingleses a coisa resultou

mal à coroa. Será que estes

se escapam melhor?

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