Editorial
Refundação
Paulo Barriga
É a palavra do momento: refundação.
Foi o primeiro -
-ministro que a reinventou,
a refundação. Quando já
não resta pedra sobre pedra
no edifício social do Estado,
quando o garrote da austeridade
já não consegue fazer expelir
mais uma única gota de sangue
dos corpos ressequidos dos
portugueses, Passos Coelho relembrou-
se dela, da refundação.
Da refundação do próprio Estado.
Que é uma forma muito simpática
e muito habilidosa de dizer demolir.
Já que demolição é uma palavra
que fica muito mal quando a ideia
que se quer passar, como frequentemente
acontece no discurso político,
é inversamente proporcional
à intenção que lhe subjaz. E Coelho
tem-se revelando um verdadeiro
mestre do ilusionismo das palavras.
Um requintado Houdini da metáfora.
Mas será que tem escapa este
escapista da gramática? Será que o
truque semântico da refundação
do Estado social passará despercebido
aos olhos do público como costumam
passar as pombas brancas
nas mangas dos mágicos de pacotilha?
Terá Coelho cartola para tanto?
Não é fácil. Nem o inigualável David
Copperfield se atreveria a tamanha
patranha. Fazer desaparecer da
vista um avião Concorde ou até um
prédio de 20 andares ainda é como
o outro. Mas dar sumiço a um povo
inteiro, de uma só penada, é coisa a
que até hoje ninguém se atreveu. E
o que Passos Coelho, mágico de segundo
plano, se propõe fazer perante
o seu público de tecnocratas,
financeiros e outros garganeiros estrangeiros,
é precisamente isso: fazer
desaparecer o povo de Portugal.
A maga Ferreira Leite, em tempos,
demonstrou intenção semelhante.
Mas os seus desígnios não iam além
da interrupção da democracia. Mas
apenas por seis meses. Coelho é
muito mais ambicioso. Quer não
apenas interromper a democracia
por tempo indeterminado, como
também passar o manto por todas
as funções sociais do Estado. Como
a proteção social, a educação ou até
mesmo a saúde. É esta a sua refundação.
Que tem muito mais a ver com
afundar do que com refundar. Com
o afundar da própria Constituição
da República Portuguesa, essa bíblia
vermelha. Com o afundar da própria
democracia, esse luxo faraónico.
Com o afundar do próprio povo, essa
cambada de pedintes. Já se percebeu
que este Governo não pode ser refundado.
Mas será que demora muito
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