sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Diário do Alentejo Edição 1593

 
 

 
Editorial



Refundação



Paulo Barriga






É a palavra do momento: refundação.


Foi o primeiro -

-ministro que a reinventou,

a refundação. Quando já

não resta pedra sobre pedra

no edifício social do Estado,

quando o garrote da austeridade

já não consegue fazer expelir

mais uma única gota de sangue

dos corpos ressequidos dos

portugueses, Passos Coelho relembrou-

se dela, da refundação.

Da refundação do próprio Estado.

Que é uma forma muito simpática

e muito habilidosa de dizer demolir.

Já que demolição é uma palavra

que fica muito mal quando a ideia

que se quer passar, como frequentemente

acontece no discurso político,

é inversamente proporcional

à intenção que lhe subjaz. E Coelho

tem-se revelando um verdadeiro

mestre do ilusionismo das palavras.

Um requintado Houdini da metáfora.

Mas será que tem escapa este

escapista da gramática? Será que o

truque semântico da refundação

do Estado social passará despercebido

aos olhos do público como costumam

passar as pombas brancas

nas mangas dos mágicos de pacotilha?

Terá Coelho cartola para tanto?

Não é fácil. Nem o inigualável David

Copperfield se atreveria a tamanha

patranha. Fazer desaparecer da

vista um avião Concorde ou até um

prédio de 20 andares ainda é como

o outro. Mas dar sumiço a um povo

inteiro, de uma só penada, é coisa a

que até hoje ninguém se atreveu. E

o que Passos Coelho, mágico de segundo

plano, se propõe fazer perante

o seu público de tecnocratas,

financeiros e outros garganeiros estrangeiros,

é precisamente isso: fazer

desaparecer o povo de Portugal.

A maga Ferreira Leite, em tempos,

demonstrou intenção semelhante.

Mas os seus desígnios não iam além

da interrupção da democracia. Mas

apenas por seis meses. Coelho é

muito mais ambicioso. Quer não

apenas interromper a democracia

por tempo indeterminado, como

também passar o manto por todas

as funções sociais do Estado. Como

a proteção social, a educação ou até

mesmo a saúde. É esta a sua refundação.

Que tem muito mais a ver com

afundar do que com refundar. Com

o afundar da própria Constituição

da República Portuguesa, essa bíblia

vermelha. Com o afundar da própria

democracia, esse luxo faraónico.

Com o afundar do próprio povo, essa

cambada de pedintes. Já se percebeu

que este Governo não pode ser refundado.

Mas será que demora muito

tempo a ser afundado?




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