sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Diário do Alentejo Edição 1594

 
Editorial


Lágrimas
Paulo Barriga



Por estes dias completam -
-se 150 anos da primeira
edição do romance

Amor
de Perdição


, de Camilo Castelo
Branco. Uma data que a Câmara
Municipal do Porto assinalou,
de forma inédita, com a atribuição
do título da obra ao largo
fronteiro à Cadeia da Relação,
onde supostamente Camilo,
em apenas 15 dias, terá imaginado
a impossibilidade do amor
entre Simão Botelho e Teresa
Albuquerque. Já em Lisboa, o
Centro Cultural de Belém dedicou
uma semana inteirinha à
mais celebrada obra do romantismo
literário português.

Amor
de Perdição


, que muitos entendem
como uma revisitação ao
jeito lusitano da peça Romeu e
Julieta, de Shakespeare, é uma
novela literária que tem tanto
de simplicidade e de desadorno
quanto de ímpeto galopante e
de imprevisibilidade. A história
passa-se no atual laranjistão,
Viseu, – onde mais poderia ser?
– e revela a paixão entre dois jovens
de famílias distintas e desavindas,
que tudo farão para
demolir os seus enamorados intentos.
Bom, mas isso qualquer
leitor que tenha passado pelos
bancos da escola sabe. O que talvez
não saiba é que, no prefácio
à quinta edição do livro, Camilo,
já muito acossado pelas investidas
dos recém-chegados pregadores
do realismo, com Eça de
Queirós à cabeça, escreveu o vaticínio
que aqui nos traz: “Se, por
virtude da metempsicose, eu reaparecer
na sociedade do século
XXI, talvez me regozije de ver
outra vez as lágrimas em moda
nos braços da retórica, e esta 5.ª
edição do

Amor de Perdição
quase esgotada”. Um malandro
bem -humorado, o Camilo.
Quanto ao sucesso da sua obra,
nem vale a pena chocalhar, centenas
e não apenas cinco que são
as edições que lhe passaram por
cima. Já quanto às lágrimas tornarem
a estar em moda nos braços
da retórica, a coisa pia mais
fino. É que nem com os mais requintados
devaneios da transmigração
Camilo poderia ter adivinhado
quão certeira seria a sua
piada profética. Nunca, como
hoje, a metáfora camiliana do impedimento
amoroso foi tão apropriada.
Só que os protagonistas
agora são outros: o Governo da
nação e o povo por inteiro. Sendo
que o Governo faz o papel de
falso amante e de pai tirano, ao
mesmo tempo e no mesmo ato. E,
pese embora as lágrimas tenham
voltado a estar na moda, elas descem
apenas pela face do amante
traído e despedaçado. Cujo destino
dramático não poderá deixar
de ser outro que não a clausura
ou o degredo. Volta, Camilo,
que estás perdoado.




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