quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Diário do Alentejo edição 1599

Editorial


Rir

Paulo Barriga

Para eles, o tempo é de esfregar

as mãos de contentamento.

Quando a política, quando os

agentes sociais e económicos e jurídicos

de um País, entram em desnorte,

começa aí a sua época das vacas gordas.

A crise, as crises em geral, e as patetices

da vida pública em particular, são o seu

maná. O seu alimento. A sua predileção.

Os humoristas são os verdadeiros

agentes antidepressivos em climas

de crise. São eles que inventam as boas

mezinhas e os melhores xaropes que

confortam emocionalmente as sociedades

deprimidas. Que se conheça, são

o tónico psíquico mais eficaz em tempos

de quebra acentuada. Como agora

acontece. O humor é o Prozac da desgraça

coletiva. E a desgraça coletiva é

o complexo vitamínico que revigora o

humor. Isto é histórico e está cientificamente

comprovado: mede-se a desgraça

de uma nação pela boa qualidade

do seu humor. O humor vive na

adversidade, propaga-se no caos, multiplica-

se na aselhice. O “mau momento”

é o seu habitat natural. Isso nos

ensinou, cada um a seu tempo, Bordalo

Pinheiro, Stuart de Carvalhais, José

Vilhena e Solnado. E, hoje, Ricardo

Araújo Pereira ou Luís Afonso. De

quem nesta edição oferecemos uma belíssima

entrevista sobre precisamente

a arte de fazer rir. De fazer rir em imprensa.

E aquilo que nos faz rir em imprensa

– o Ricardo Cataluna tem uma

página no “Diário do Alentejo” que faz

rir – é a própria imprensa. Ou melhor:

são os acontecimentos da vida que dão

em notícia e que dão em chacota. Num

ato contínuo, fabril, febril, exatamente

igual ao ato fabril e febril de encher linguiças.

O humor de imprensa faz-se

das parvoíces que a própria imprensa

propaga e constrói. O trabalho do humorista

é precisamente o inverso: a

destruição. A desconstrução da realidade.

O exagero da realidade. A inversão

da realidade. Mas será que a realidade

é mesmo real? E quem é que está

mais apto a fazer rir? O douto sem canudo

ou o canudo sem doutor? O humor

é a suprema exaltação da parvoíce.

E o tempo de crise, o nosso tempo,

é o tempo da parvoíce absoluta. Um

tempo tão absolutamente parvo que

está a constranger os próprios amantes

da parvoíce: os humoristas. A matéria

risível em tempo de crise não é apenas

boa, é a melhor. O problema é que

os fazedores de humor não estão habituados

a lidar com tanta parvoíce junta

e durante tanto tempo. A parvoíce, pela

força do uso, pela repetição, está cada

vez mais banalizada. Cada vez menos

parva. E aquele que era o bom sustento

dos humoristas começa agora a gerar

fastio. A eles próprios, aos humoristas,

e a quem ainda vai rindo. É costume

dizer-se que ainda não batemos

no fundo. Esse dia será anunciado, não

por um qualquer político engravatado,

não por um general na reserva, não por

um sindicalista afónico. Será dito e será

feito no preciso dia em que já nem eles

nos consigam roubar uma gargalhada.

Os humoristas.

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