quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Diário do Alentejo Edição 1604


Editorial


Dinis

Paulo Barriga


É o nome da criança que

um cão chacinou na semana

passada. Em Beja.

Dinis. Não há no Facebook ou

em qualquer outro recanto da

Internet qualquer memorial à sua

breve passagem por cá. Não há notícia

de mobilizações em massa, ou

mesmo singulares, pela sua morte.

Não consta que circule ou que tenha

circulado qualquer petição em

sua defesa. Em defesa das crianças

vítimas de ataques brutais,

tantas vezes mortais, por parte de

animais violentos. O Dinis tinha

18 meses. O cão que o matou, oito

anos. O Dinis era um bebé, indefeso

como qualquer bebé humano.

O cão que o desmembrou é um

animal adulto de uma raça que a

lei considera perigosa. O Dinis foi a

enterrar a 10 de janeiro. O Zico, que

é o nome que o cão assassino leva,

está de quarentena a aguardar decisão

de abate. E é aqui, neste exato

momento, que a ternura e os bons

sentimentos começam a invadir os

corações de muita gente. É aqui,

precisamente aqui, que entra em

jogo essa matriz fenomenal de todos

os fundamentalismos pseudocristãos,

pseudofriques, pseudovegetarianos:

a culpa. Aquela coisa

que não pode morrer solteira. E

que tem de ser expiada custe lá o

que custar. Custe lá a quem custar.

Neste caso concreto, em que um

cão com diferentes episódios violentos

no currículo mata à dentada

e à sacudidela um bebé de um ano

e meio, a culpa, por ordem decrescente

de imputação, pertence: à família

que deixou a criança ir para

perto do animal, à noite e sem sequer

acender as luzes; aos vizinhos

que não denunciaram aquela família

perigosa para os bichinhos;

às autoridades que pelos seus próprios

meios não vislumbraram em

tempo útil que um animal andava

a ser espezinhado por uma criança

num bairro social; à assassina encartada

que é a veterinária municipal;

ao próprio Dinis que não tinha

nada que dar uma pisadela

no canito. É este o fundamento da

culpa que transparece na petição

que algumas dezenas de milhares

de pessoas assinaram em defesa

do Zico. Sem uma palavra sequer

em memória do Dinis. O que

é de uma hipocrisia inaceitável. De

uma desumanidade a toda a prova.

De uma parvoíce conjunta infelizmente

cada vez mais comum

em certos circuitos dos pretensos

amigos dos animais domésticos

(domesticados). Tenho duas filhas,

uma delas com alguns meses

a mais que o Dinis. Sempre gostei

de cães e tive alguns de grande

porte e durante muito tempo. Mas

nunca me assistiu qualquer dúvida

em relação ao que é uma criança e

um cão. Um ser humano e um animal.

E ao lugar que cada um ocupa

em casa e na sociedade.

3 comentários:

Jardim de Infância de S. Matias disse...

Uma grande verdade está escrita neste excerto mas, vamos mesmo aguardar no sentido de apurar responsabilidades....Que fazia uma criança de 18 meses sozinha com um pitbull e às escuras na cozinha?....Não havia adultos por perto a vigiar uma criança de tão tenra idade?....

Álvaro Barriga disse...

Boa tarde.
Vou quebra por algum tempo uma regra de ouro do "aldeagar" publicando os comentários deste que sejam identificados e eu reconheça a verdadeira identidade de quem comenta.
Mas por favor sejam coerentes e assertivos, caso contrário serão removidos para spam.
Obrigado

ana maria manguito disse...

enquanto existirem neste país, velhos mal tratados e abandonados em lares e hospitais, crianças com fome nos bancos da escola, enquanto existirem filas à porta das Cáritas, Misericórdias e outras instituições de cariz social, à espera do pão para o dia, enquanto existirem crianças entregues à sua própria sorte, enfim...
Apetece-me dizer, que o Zico é um felizardo por ter tantos milhares de pessoas preocupadas com o seu "problema".