quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Diário do Alentejo Edição 1607


Editorial
Física
Paulo Barriga


Em física, nas ciências físicas,
o cruzamento entre o espaço
e o tempo origina um
acontecimento. Um “evento”, como
agora gostamos muito de dizer.
Quando estas duas linhas se cruzam,
naquele exato instante e naquele
preciso momento, algo irrepetível
acontece. Embora não raras
vezes, principalmente na atividade
humana, o espaço, por si, subentende
o tempo. E vice-versa. Vem
esta conversa a propósito de um articulado
jurídico de 2005, a Lei 46,
que regula a limitação dos mandatos
autárquicos. O legislador é perfeitamente
claro no que se refere à
linha do tempo: “O presidente de
câmara municipal e o presidente
de junta de freguesia só podem ser
eleitos para três mandatos consecutivos”.
Que é como quem quer
dizer: ao fim de 12 anos ininterruptos
de governança autárquica,
têm de aguardar pelo menos quatro
para se poderem tornar a candidatar.
Acontece que em Portugal,
como sempre costuma acontecer,
talvez pelo velho hábito contra
censório de ler o fundamental
nas entrelinhas, existem verdadeiros
peritos da desconstrução semântica.
Sendo esta lei de tal forma
clara e precisa quanto à sua dimensão
temporal, nada reza ela sobre a
questão do espaço. Nada refere sobre
se o presidente de câmara e o
presidente de junta daqui pode, ao
fim de três eleições consecutivas,
recandidatar-se acolá. Nada diz sobre
isso, porque, na verdade, nada
sobre isto necessita de dizer. Este é
um claro exemplo de sobreposição
das linhas temporais e espaciais.
O facto de os autarcas nestas condições
só poderem ser eleitos para
três mandatos subsecutivos subentende,
de forma unívoca, clara, inequívoca,
toda e qualquer câmara
ou junta de freguesia. Não equacionar
o problema desta forma dá
erro, invariavelmente. Interpretar
a lei de forma criativa dá sarilhos,
certamente. Em teoria, sou contra a
limitação de mandatos. É coisa que
cabe ao cuidado de quem vota e não
aos tribunais. Em consciência, sou
favorável à autorrenovação sistemática
dos protagonistas políticos. É
coisa que traz mais e melhor democracia.
Mas a lei é a lei. A física é a física.
E lendo mal a lei, como está a
acontecer em Beja com o PS, o PSD
e a CDU, podemos levar a política
bem para o interior de um dos mais
intrigantes e insondáveis
domínios
da física:
o buraco
negro.

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