quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Diário do Alentejo Edição 1608

Editorial
Papas
Paulo Barriga

A notícia está a ser entendida
como um fait divers.
Como uma espécie
de festa antecipada. Assim ao
jeito dos casamentos reais. Ao fim
de seis séculos, um papa de Roma
decide entregar o báculo e o anel.
Supostamente por cansaço físico e
intelectual. Ratzinger tem 85 anos.
Vai embora e abre espaço, em
vida, a renovado espetáculo mediático
que é, sempre foi, o acender
da lareira na Capela Sistina. O
que acontecerá até à Páscoa. Que
é o tempo da ressurreição. Da renovação.
Da esperança. Faz todo
o sentido. Faz todo o sentido que
Bento XVI resigne. Faz todo o sentido
que a Igreja se renove. Aliás,
faz todo o sentido que a Igreja faça
sentido. O que, na verdade, hoje
em dia acontece cada vez menos.
Principalmente nos territórios católicos
do chamado mundo ocidental.
Não é apenas a cadeira de
Pedro que Ratzinger deixa vaga.
Deixa em aberto, por igual, uma
enorme cratera nos domínios da
fé e da crença. Na crença das coisas
mundanas da Igreja. Na fé
nas coisas intangíveis de Cristo.
Apesar dos esforços de contrição,
a Igreja do papa alemão nunca
conseguiu libertar-se das amarras
da pedofilia e dos escândalos
sexuais que envolvem muitos
dos seus clérigos. Aliás, Bento
XVI sai de cena numa altura em
que ainda não se chegou ao fundo
do escândalo dos ficheiros secretos
que o seu mordomo subtraiu.
Há quem suspeite que esta resignação
está intimamente ligada a
este caso, ao chamado vatican leaks.
Mas é também inglória a passagem
de Ratzinger por Roma no
que respeita às questões da fé e das
vocações. Uma e outras em plena
crise de afirmação. Excluindo algumas
regiões asiáticas emergentes,
o território onde a fé católica,
apostólica e romana se dissemina
é cada vez mais curto. Questões
como o celibato dos padres ou a
ordenação de mulheres ficaram
na gaveta. Uma vez mais. E mesmo
aceitando algum incremento na
atitude política do Vaticano, principalmente
em relação à crise económica
global, à fome ou às guerras
no mundo, a doutrina social da
Igreja não chegou nem onde, nem
a quem deveria chegar. Às pessoas.
Fortemente. O papa que vier
pela Páscoa tem que anunciar a
nova boa-nova. De que existe uma
Igreja para lá desta velha Igreja,
que esteve mais preocupada em
retirar o burro e a vaca do presépio,
do que em por mais umas palhinhas
no berço de Jesus. Caso
contrário, como este que agora
abala, passará o próximo papa
igualmente à História por apenas
fazer cardeais. E como diria o poeta
Bocage, a cozinheira faz mais
do que cardeias: faz papas.


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