quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Diário do Alentejo Edição 1609


Editorial
Grândola
Paulo Barriga

Os devoristas dos tempos
que correm, para
se segurarem a si próprios
e para acalmarem as hostes,
têm a mania de dizer que a
História não se repete. Ai, repete,
repete, poderia muito bem
dizer o extraordinário Ulrich. O
que vemos hoje em Portugal parece
decalcado a papel químico
do melhor fresco dos tempos da
guerra civil: a falência dos cofres
e da moral do Estado, o endividamento
asfixiante ao estrangeiro,
a perda da soberania e
da autoestima nacionais, a descrença
nas instituições e nos
agentes políticos, o avanço desmesurado
da pobreza, da miséria,
da incerteza, da descrença.
Da perda. No século XVIII este
mesmo incendiário cocktail deu
no que deu: deu na mais sangrenta
e fratricida das guerras
em território nacional e na deriva
sebastiânica que nos trouxe
até aqui, embalados em sucessivas
rebeliões, golpes, revoluções,
intentonas, ditaduras. Calar o
primeiro-ministro e a sua desacreditada
eminência parda ao
som da “Grândola” não é um fait
divers, um epifenómeno ou uma
mera notícia de rodapé. É sinal,
um forte sinal, de que eles andam
aí. E que começam a perder
a paciência. Como já antes,
ao longo da nossa História, tantas
vezes aconteceu. A História
não se repete, gostam de dizer os
pedreiros livres e os banqueiros
que nos governam. Contra a sua
lógica de amansamento, deixo
em baixo, a bem da memória,
excertos de duas notas do diário
do embaixador da Prússia em
Portugal, corria o ano de 1842:
“Para construir um edifício que
corresponda à sua imaginação
e ao seu orgulho, arrancam as
pedras dos alicerces e colocam -
-nas no topo. O edifício ergue -
-se à medida que vai enfraquecendo.
E a verdade é que, muito
em breve, irá ruir... (...) Reina a
maior confusão, nada é permanente,
a cada momento há transformações
e a cada transformação
o país afunda-se mais sob
o ponto de vista moral e material”.
Ontem, como hoje, cá estamos
nós a construir o edifício
defeituoso que era suposto ser a
nossa terra da fraternidade.

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