sexta-feira, 29 de março de 2013
Diário do Alentejo Edição 1614
Editorial
Honrado
Paulo Barriga
A ambição pessoal é a primeira
de entre todas as
difíceis provações do
ser-se comunista. Combatê-la,
expurgá-la, amansá-la, numa
luta incessante, que se reacende
a cada instante com redobrada
violência, não está ao alcance de
qualquer um. Ser-se comunista,
antes de qualquer razão ideológica
ou programática ou mesmo
mística, consiste precisamente
nesse combate permanente contra
as investidas do individualismo.
O que não é nada fácil, já
se disse. A natureza humana, na
sua mais imperfeita condição, é
contrária à utopia coletivista. A
primeira aspiração do operário
é ascender a manajeiro. A primeira
vontade do rural é dar em
lavrador. O primeiro desejo do
soldado é comandar o pelotão.
No fundo, a primeira ambição
do proletário é vestir a fatiota do
burguês. Ser-se comunista, comunista
à séria, no sentido elementar
do termo, do tornar comum,
é afinal lutar contra a vil
tentação do individualismo.
Pregando a todo o momento as
virtudes do coletivismo. Não é
usual encontrarem-se comunistas
assim. Gente desapegada.
Verdadeiramente fraterna
e plural. Tão despojada e crente
e pura quanto os primeiros cristãos
o foram. Comunistas que
residem (ou resistem) muito
para lá do Partido. Muito além
dos partidos. João Honrado, que
há uma semana nos deixou, foi
das poucas pessoas que conheci
a quem o rótulo “comunista” lhe
não caía mal. Na sua ética, na
sua coerência, na sua convicção
inabalável, Honrado representa
um tempo, uma geração de homens
e de mulheres, que já não
existe. Um exemplo, um modelo
que qualquer um teria gosto em
seguir. Mas que à partida o saberia
inalcançável. A vida e a
luta de João Honrado vencerão,
por certo, a lei do esquecimento.
Porque ser-se comunista
não está ao alcance de qualquer
um. E João Honrado foi dos raros
combatentes que venceu todas
as duras batalhas que travou
contra as investidas do individualismo.
Que é a maior das provações
do ser-se comunista.
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