quinta-feira, 4 de abril de 2013

Diário do Alentejo Edição 1615


Editorial
Resistência
Paulo Barriga

Na última terça-feira o jornal
“Público” dava conta
da infelizmente banal
história de Alcides Santos. Um
gestor de sistemas informáticos,
de 46 anos, pai de dois filhos, residente
na Moita do Ribatejo,
que está desempregado vai para
dois anos. Quantos Alcides não
existirão por esse país fora?
Tantos que se o assunto acabasse
por aqui, nem valor de notícia
teria. Dá-se o caso, no entanto,
que este Alcides decidiu deixar
de pagar impostos, alegando o
direito constitucional de resistência.
Ou seja, chegou à conclusão
que o seu dever enquanto
contribuinte não supera o dever
de não deixar os filhos passarem
fome. E entregou a sua exposição
nos serviços da Provedoria
de Justiça, na esperança da justiça
do provedor. Um desesperado
David, nas mãos da trituradora
máquina jurídica de Golias.
Com efeito, a Constituição
da República Portuguesa, no
seu artigo 21.º, sacramenta o
“Direito de Resistência”. Diz a
lei fundamental que “todos têm
o direito de resistir a qualquer
ordem que ofenda os seus direitos,
liberdades e garantias”.
Mas as duas grandes questões
que aqui se colocam, para lá de
todas as leituras e interpretações
de juris, são do campo da
moral e da ética política. A primeira
tem a ver com a grandeza
da própria Constituição. Não é
necessário cursar Direito para
perceber que, hoje, em Portugal,
o que esse texto tem de fundamental
é fundamentalmente
pouco. Desde que o País passou
a ser governado por consortes
estrangeiros que a democracia
passou a ser uma mera alínea
e a Constituição um livro de rezas
obsoletas. A segunda questão
tem a ver com a hierarquização,
do ponto de vista social,
dos deveres dos cidadãos. Neste
caso concreto, Alcides Santos
considera que o dever de matar
a fome aos seus filhos se sobrepõe
ao dever de alimentar com
inchados impostos um Estado
garganeiro, injusto e arbitrário.
Qualquer pessoa de bom senso
compreenderá e até apoiará a ordem
com que Alcides enumera
as suas prioridades. Mas nesta
situação tão concreta, tão palpável,
tão visceral, teria este pai
necessidade de recorrer ao direito
constitucional de resistência!
Claro que não? Em países à
séria, com constituições à séria,
com políticos e magistrados à
séria, levam-se à séria os deveres
e os direitos mais elementares
dos cidadãos. No seu todo.
Mas, como ultimamente nos
têm ensinado, este país, o nosso,
já não é para todos. E a resistência,
será, Alcides?

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