quinta-feira, 18 de abril de 2013

Diário do Alentejo Edição 1617


Editorial
Livro
Paulo Barriga

Fernando Pessoa, num dos
seus melhores momentos
de exaltação do livre arbítrio
e da superioridade do espírito
sobre a matéria: “Ai que prazer/
Não cumprir um dever,/ Ter
um bom livro para ler/E não o
fazer!”. Ter um bom livro para
ler. Eis a questão que hoje em
dia se coloca com a urgência dos
condenados. Ter um bom livro
para ler. Ou melhor: encontrar
um bom livro para ler. Desde o
advento, mais ou menos recente,
da concentração esmagadora da
edição livreira em Portugal que
não é tarefa fácil encontrar um
bom livro para ler. Nas mãos de
apenas um par de casas editoras,
o livro transformou-se no mais
banal dos produtos de mercearia.
A sua perenidade nas estantes
de vendas deixou de ter
a ver com a qualidade das letras
que no seu interior vêm impressas.
O livro sobrevive enquanto
a sua bonita capa sobreviver à
ditadura das vendas. E no preciso
instante em que outra capa
mais bonita chega às montras, o
livro velho de meia dúzia de semanas
é dado para abate. Abate.
É a palavra de ordem das novas
editoras, conscientes que são
do valor comercial dos seus livros.
Indiferentes que são ao
valor cultural dos seus livros.
Livros para abate. Tal como
sempre sucedeu nos momentos
de maior regressão cultural na
história da Humanidade, vive -
-se hoje um processo de apagamento,
pela lâmina da guilhotina
ou pela força das labaredas,
da memória impressa. Não bastasse
já o crime de lesa cultura
que é a fraca qualidade da edição
imposta pelos grandes grupos
livreiros, não bastasse a obscenidade
que é a edição massiva
de obras irrelevantes e a sua
imediata destruição em massa,
o livro deixou igualmente de
ter casa própria. Para grande
perda do leitor que gostaria de
ter um bom livro para ler. E talvez
não o fazer. As livrarias estão
extintas ou à beira da extinção.
O livreiro de proximidade,
bom conselheiro, atento conhecedor,
apaixonado pelas letras e
pela partilha das letras, é um ser
raro. Aliás, a grande maioria das
pessoas nem concebe hoje a sua
existência. O livro é coisa de supermercado,
antes da secção da
fruta, depois da charcutaria, a
meio caminho para os detergentes
e os abrasivos. Nesta terça-
-feira celebra-se o Dia Mundial
do Livro. 23 de abril. Dia em
que faleceu Cervantes. Dia em
que nasceu Shakespeare. Dia em
que certamente gostaria de ter
um ou o outro para ler. Mas por
certo não o vai conseguir fazer.

Sem comentários: