quinta-feira, 2 de maio de 2013

Diário do Alentejo edição 1619


Editorial
Céu
Paulo Barriga

Um dos mais pungentes
romances em língua
portuguesa sobre
a questão dos sem-terra no
Alentejo chama-se O pão não
cai do céu. A história, com
mais ou menos sacholada sobre
a campanha do trigo, reproduz
os violentos acontecimentos do
Cantinho da Ribeira, Trindade,
Beja. Ao longo da narrativa, José
Rodrigues Miguéis vai traçando
um cenário de desesperança, de
desolação, de impossibilidade e
de marginalização dos assalariados
rurais nos campos do Sul.
Utiliza o romancista uma gigantesca
parábola, quase em jeito de
manifesto literário, sobre o infortúnio
a que este povo estava
votado: O pão não cai do céu.
A imagem é boa. E adequa -se
na perfeição ao tempo histórico
evocado por Miguéis. Mas hoje
as coisas parecem estar em perfeita
mutação. Ou mesmo contradição.
É para os céus que o
alentejano pode e deve lançar o
olhar. O Alentejo começa a ter
água. Alqueva é uma realidade,
uma certeza, uma boa razão
para começar a mirar e a desejar
todas as pingas de água que
se despeguem das nuvens. Hoje
mesmo, que é sexta-feira, celebra-
se o Dia do Sol, esse nosso
companheiro de quase todos os
dias que nos obrigou a inventar
a cal, as quartas de barro e a
cesta no fresco das casas. Dizem -
-nos da Entidade Regional de
Turismo do Alentejo que é precisamente
o sol, antes simplesmente
impiedoso e inclemente,
que faz com que o Alentejo comece
agora a desabrochar nos
melhores guias turísticos. E na
sexta-feira passada, em pleno alvoroço
da Ovibeja, um avião da
companhia turca AtlasJet aterrou
na pista do aeroporto de
Beja, para sofrer reparos. Coisa
de pouca monta, assegurarão os
pessimistas do regime, sempre
mais inclinados em transportar
as nossas realizações coletivas
para o engraçado anedotário
nacional do que em festejar toda
e qualquer oportunidade que
nos possa fazer cair em graça.
Que possa, afinal, fazer com que
o pão nos caia do céu. E, no entanto,
ele vai cair...

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