quinta-feira, 6 de junho de 2013

Diário do Alentejo Edição 1624

Editorial
César
Paulo Barriga

Ainda a procissão vai a meio
do calvário. E já não nos
resta pinga de sangue. O
Nazareno, debaixo de chicote e varas,
conseguiu levar a sua cruz ao
cimo do último cerro. Mas será que,
sob as mesmíssimas sevícias, conseguiremos
nós suportar tamanho
martírio? Passaram nesta quarta -
-feira dois anos sobre a chegada da
legião à Lusitânia. Tomaram os generais
e os seus centuriões o poder com
a mesma ferocidade com que esmagaram
Cartago. E não tardaram em
repartir os despojos, os nossos escassos
sestércios, pelas hordas de bárbaros
germânicos que lhes asseguraram
os flancos. Dai, pois, a César
o que é de César. Facultai, pois, aos
indígenas a sovadura que bem merecem.
A estes, nem pão, nem circo.
Apenas ripa no lombo. Chegaram
apenas há dois anos e parece que já
lá vão dois séculos. E o mais angustiante
nesta triste colónia é que parece
não haver quem se passei pelo
senado com a merecida cicuta, nem
com punhal escondido. Parece não
haver forma de fazer cair por terra
o invasor. Não há intriga, nem traição
que abale o fórum. A não ser a
intriga e a traição que o fórum impõe
aos colonizados. Todas as tentativas
de investida contra os senadores
são rechaçadas com mais e maior
violência. Estão-nos a vencer pelo
medo, pelo cansaço e pelo desânimo.
No último sábado houve manifestações
de desagrado em oposição ao
triunvirato. Mas a fraca adesão levou
a que nem fosse necessário soltar
as feras. Para lá das feras que andam
sempre à solta. Mas apesar da governação
draconiana e couraçada, a colónia
está podre. Já não há cidadania
de pleno direito. Nem dignidade.
Nem justiça. Os guerreiros mais fortes
e aptos foram impelidos a desertar
para províncias longínquas. Nos
cofres e nas burras já não cintila o vil
metal. Não há pão, nem carne, nem
vinho sobre o tampo da mesa. Pouco
tardará para que o império faça recuar
as legiões. Deixando para trás
os mais execráveis de entre os mercenários
bárbaros. Para varrer os restos.
E para apagar por muito tempo
a luz da história. Foi apenas há dois
anos que chegaram, parece que foi
há dois mil.
Dedico este texto à arqueóloga
Conceição Lopes que, nas últimas décadas,
tanta luz tem gerado sobre a
colónia romana de Pax Julia.

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