Editorial
Comédia
Paulo Barriga
Há algo de shakespeariano
nesta comédia de enganos
que traz o ensino português
à boca de cena. O encenador,
que leva o nome de ministro,
há muito que está descontente
com o elenco. À companhia cabe o
drama único de interpretar o papel
do professor. Repetidamente. Pelas
diferentes salas do País. Mas o ensaiador
– e principalmente o proprietário
dos teatros – acha que os
seus atores são péssimos. E, para
além de péssimos, demasiados. E,
para além de demasiados, caros. E,
para além de caros, parvos que nem
os panos do palco. Vai daí, pimba:
corre com os atores mais novos camarins
afora. E ameaça os mais
velhos com o bordão de Molière:
ou decoram mais falas ou vão fazer
pantominas para o olho da rua.
Nisto, a companhia decide boicotar
uma estreia com lotação esgotada.
Mais de 70 mil bilhetes vendidos.
Um sarilho vicentino com
direito a alcoviteiras e tudo o mais
que faz chorar de rir. Mesmo sem
porteiro, sem bilheteira, nem arrumador,
nem bengaleiro, o encenador,
ele próprio vestido de mestre-
sala, ordena aos seus mais fiéis
moços de palco que abram as portas
de par em par. Os foyers rebentam
de público. O problema é que
no anfiteatro não há assento para
todos. Parte da assistência, com lugar
marcado nas filas H para riba,
é convidada a regressar em futura
reposição da peça. Dá-se a pateada,
a vaiadela e a assobiadela. Que não
é pequena. Pelo contrário. É rija
como nunca antes se vira nem na
mais ordinária revista de sexto escalão.
Entretanto, alguns dos que
ficaram para assistir são interrompidos
a meio da encenação. E os
que não o foram depressa perceberam
quão rasca e manhoso é o argumento.
E que, afinal, os atores
principais do enredo são eles próprios.
Que estão em conflito entre
si e contra os atores verdadeiros.
Que, por sua vez, estão em conflito
entre si e contra o encenador. Que,
a seu jeito, está em conflito consigo
mesmo e contra todos os outros.
Há ou não há algo de shakespeariano
nesta comédia de enganos?
Ou será melhor dizer tragédia?
ND – Aos professores que fizeram
greve no dia 17, um pequeno remédio
para os grandes males que acometem
o ensino em Portugal.
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