quinta-feira, 20 de junho de 2013

Diário do Alentejo Edição 1626

Editorial


Comédia

Paulo Barriga


Há algo de shakespeariano

nesta comédia de enganos

que traz o ensino português

à boca de cena. O encenador,

que leva o nome de ministro,

há muito que está descontente

com o elenco. À companhia cabe o

drama único de interpretar o papel

do professor. Repetidamente. Pelas

diferentes salas do País. Mas o ensaiador

– e principalmente o proprietário

dos teatros – acha que os

seus atores são péssimos. E, para

além de péssimos, demasiados. E,

para além de demasiados, caros. E,

para além de caros, parvos que nem

os panos do palco. Vai daí, pimba:

corre com os atores mais novos camarins

afora. E ameaça os mais

velhos com o bordão de Molière:

ou decoram mais falas ou vão fazer

pantominas para o olho da rua.

Nisto, a companhia decide boicotar

uma estreia com lotação esgotada.

Mais de 70 mil bilhetes vendidos.

Um sarilho vicentino com

direito a alcoviteiras e tudo o mais

que faz chorar de rir. Mesmo sem

porteiro, sem bilheteira, nem arrumador,

nem bengaleiro, o encenador,

ele próprio vestido de mestre-

sala, ordena aos seus mais fiéis

moços de palco que abram as portas

de par em par. Os foyers rebentam

de público. O problema é que

no anfiteatro não há assento para

todos. Parte da assistência, com lugar

marcado nas filas H para riba,

é convidada a regressar em futura

reposição da peça. Dá-se a pateada,

a vaiadela e a assobiadela. Que não

é pequena. Pelo contrário. É rija

como nunca antes se vira nem na

mais ordinária revista de sexto escalão.

Entretanto, alguns dos que

ficaram para assistir são interrompidos

a meio da encenação. E os

que não o foram depressa perceberam

quão rasca e manhoso é o argumento.

E que, afinal, os atores

principais do enredo são eles próprios.

Que estão em conflito entre

si e contra os atores verdadeiros.

Que, por sua vez, estão em conflito

entre si e contra o encenador. Que,

a seu jeito, está em conflito consigo

mesmo e contra todos os outros.

Há ou não há algo de shakespeariano

nesta comédia de enganos?

Ou será melhor dizer tragédia?

ND – Aos professores que fizeram

greve no dia 17, um pequeno remédio

para os grandes males que acometem

o ensino em Portugal.

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