sexta-feira, 28 de junho de 2013

Diário do Alentejo Edição 1627

Editorial
Dois tostões
Paulo Barriga

Quanto vale um país?
Quanto vale um país que
é um continente? Quanto
vale um país que é um continente
em suposto estado avançado de
desenvolvimento? Vale dois tostões
do real. Vale pouco mais do
que meio tostão do euro. Vale
muito pouco. Aliás, vale quase
nada quando esse país que é um
continente em suposto avançado
estado de desenvolvimento está
igualmente em avançado estado
de decomposição moral. E é este
ligeiro pormenor, e apenas ele, que
escapou à atenção dos líderes brasileiros
nos últimos anos. O povo
aguenta, ah aguenta, aguenta,
os dois tostões de aumentos nos
transportes públicos impostos em
algumas cidades do Brasil. Mas o
que o povo não aguenta são os milhões
de reais em dinheiros públicos
que enchem o saco do “mensalão”.
Impunemente. O que o povo
não aguenta é a corrupção estrutural
e endémica do Brasil. O que
o povo não aguenta é a putrefação
e o compadrio e a imoralidade públicas.
Isso, o povo não aguenta. E
quando o povo não aguenta, sai à
rua. E quando é grande e nobre o
povo que não aguenta, sai à rua
com a grandeza e a nobreza do
povo brasileiro. Os governantes de
lá – como os de cá, em boa verdade
– julgavam que com sol, futebol e
um sambinha de uma nota só
conseguiam ir adormecendo a galera.
Enganaram-se. O que por estes
dias está a acontecer no Brasil,
ao contrário das primaveras árabes
e dos invernos europeus, é um
outono radioso. Desde a revolução
francesa de maio de 1968 que nenhum
movimento cívico foi tão
intenso, justo e realmente civilizacional.
O que está em marcha no
Brasil é uma verdadeira revolução
cultural, em toda a abertura e pluralismo
do termo cultura. O que lá
se passa é algo que foge ao próprio
momento, às necessidades e às urgências
do momento, e que aponta
para o futuro. Aponta para a moralização
da causa pública, para
a intervenção cívica, para a liberdade,
para os direitos fundamentais
do Homem. Nada ficará como
dantes após este outono brasileiro.
Como nada ficou como dantes
após a primavera parisiense
das calças à boca-de-sino. E tudo
o que aquela gente está a oferecer
neste instante ao mundo, à civilização,
custou apenas dois tostões
do real. A dignidade não tem
preço. Ou como diria o belíssimo
romancista João Ubaldo Ribeiro:
Viva o povo brasileiro.

ND – Nesta edição do “DA”
fomos conhecer como a revolta
dos 20 centavos estava a ser vista
pelos brasileiros residentes no
Alentejo. E a mensagem é unânime:
não fiquem parados, venham
connosco.

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