Editorial
Brandura
Paulo Barriga
O calor é daquelas coisas
que não assiste ao comum
dos alentejanos.
Quando o mercúrio sobe aos 30
e o resto do País começa a andar
com boca de peixe de aquário,
o povo daqui costuma gracejar:
“tal está esta brandura”. Quando a
sombra não arrefece mais do que
os 40 e as entidades de saúde emitem
alertas vermelhos, o povo daqui
costuma galhofar: “isto só vai
lá é de capote”. O calor extremo,
este calor amarroquinado, que
tem por aí andado, não é uma provação
para o comum dos alentejanos:
é um mimo. É, como dizia o
reclame, “tão natural como a sua
sede”. As soalheiras alentejanas,
as valentes torreiras de “cabelos
nos peitos”, obrigam à verdadeira
exaltação do engenho do comum
dos alentejanos. Não há povo por
essa Europa fora que saiba lidar
tão bem com as calmarias como
este povo sabe e lida. Seja apenas
pelas sucessivas e refrescantes camadas
de cal que lança às paredes
das casas. Seja simplesmente pela
estudada gestão da greta do postigo.
Seja pelo silêncio fúnebre e
penumbroso a que o calor obriga.
Seja pelas inteligentes sestas. Seja,
enfim, pelos golos da água que
o barro refresca em quartas, bilhas,
infusas. O alentejano, o comum
dos alentejanos, é um verdadeiro
mestre na arte de domar
o calor. Pelo que lhe não dá excessiva
importância, ao calor. É óbvio
que está sempre zangado com o
tempo. Mas costuma amuar mais
com o tempo que passa do que
com o tempo que faz. E quando se
chateia mesmo com o tempo que
faz, queixa-se da porra da chuva,
do frio de matar gente, da buzaranha
dos demónios. Já sobre o calor,
mesmo sobre o mais restolhado
e vertical dos calores, apena
dirá: “está uma calma de fazer inveja”.
O calor corpulento está para
a existência do alentejano como
está o cante, a sombra dos chaparros
ou o uso do gerúndio. Faz parte
da sua cultura, do seu património,
da sua genética. Por isso mesmo,
por estes dias, a Amareleja é a capital
“irrevogável” do Alentejo.
ND - A direção do “Diário do
Alentejo” declara oficialmente
aberta a silly season.
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