sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Diário do Alentejo Edição 1634

Editorial
Urbano
Paulo Barriga

Tinha tanto de urbano como
tinha de rural, o Urbano.
Apesar de ter passado toda
a sua vida adulta em grandes cidades,
cosmopolita, mundividente,
humanista, Urbano Tavares
Rodrigues foi mordido em criança
pelo bicho do campo. Uma ferradela
que lhe contaminou o sangue,
o ser, a palavra, para todo o
sempre. A sua obra literária, vasta
e diversa, é a melhor evidência de
como a infeção sofrida nos campos
de Moura, no Alentejo para
lá do Guadiana, na “terra vermelha”,
como lhe chamou, jamais
teve cura. Não é um contágio inédito,
este que correu nas veias de
Urbano e que nos seus livros perdurará
para todo o sempre. O
Alentejo costuma gerar essa seiva
umbilical que se agarra aos seres
que o habitam, que alguma vez
o habitaram, como as marcas de
um ferro em brasa. Pode-se abalar,
tantos que abalaram e continuam
a abalar, mas não se pode
fugir dele. Nunca. Esta terra pode
ser pouco fértil em alimento, estéril,
até, mas é farta em sentimentos.
Afetuosa, no mais
rude e áspero sentido do termo.
Urbano, o bom escritor bom, sabia-
o. Sentia-o. Aliás, como Brito
Camacho sempre sentiu, imensamente,
mesmo nos corredores do
poder, os torrões dos cabeços de
Aljustrel sob a sola dos seus botins.
Como Manuel da Fonseca,
mesmo na maior espelunca lisboeta,
nunca perdeu de vista o cerro
grande de Santiago do Cacém ou
os cantares empastados de vinho
dos homens do Sul. Como Fialho
de Almeida, mesmo inebriado pelas
luzes dos teatros e pelas plumas
e lantejoulas das coristas,
alguma vez terá olvidado os cavadores,
os ceifeiros ou os vindimadores
do seu “país das uvas”. Há
qualquer coisa de primordial e de
catártico neste quinhão de terra.
Um azougue cujos polos atraem
com uma força extraordinariamente
inversa ao desânimo que
faz partir. Foi assim com Urbano
Tavares Rodrigues. É assim com
todos nós.

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