sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Diário do Alentejo Edição 1649

Editorial
Escravos
Paulo Barriga

O secretário de Estado da
Agricultura dá hoje uma
entrevista ao “Diário do
Alentejo” onde fala da importância
estratégica do Alqueva para o
equilíbrio da balança comercial
portuguesa ao nível da agricultura.
Quando concluído o empreendimento
em 2015, as palavras
são de José Diogo Albuquerque,
a área irrigada pelo grande lago
trará mais-valias anuais na ordem
dos 160 milhões e euros. De entre
o crónico cardápio de más notícias
sobre o Alentejo, eis uma que
nos faz cócegas ao ânimo. Aliás,
já são evidentes os grandes melhoramentos
agrícolas na região.
Há novas empresas que se instalam,
novas culturas, novas tecnologias,
novas agroindústrias,
novos negócios, novas oportunidades.
Alqueva está a transformar
os barros do Alentejo, está a verdejar
a paisagem, está a “reinventar”
a relação do homem com a
terra. Será? Parece que nestas coisas
da posse e do amanho da terra
não há assim tanto a reinventar.
As questões sociais que se levantaram
nos tempos áureos da campanha
do trigo regressaram em
força aos campos do Sul. As praças
de jorna, o trabalho de sol a
sol, a exploração da mão de obra,
a miséria humana e a fome, temas
social e ideologicamente supostamente
datados e enterrados,
aí estão no seu máximo fulgor.
Novamente. Exuberantemente.
Mas se antes a cobiça era exercida
sobre os rurais locais, obrigando-
-os tantas vezes a abandonar as
suas terras e as suas gentes, hoje
essa desumana violência é praticada
sobre pessoas já de si desenraizadas,
fragilizadas, vindas
de longe apenas com a esperança
nas algibeiras. A escravização que
está a acontecer em diferentes explorações
agrícolas da região em
relação aos trabalhadores romenos
(e não só) é duplamente vergonhosa
para o Alentejo e para o
País. É infame porque mostra o
lado canalha e ordinário de certos
empregadores de uma região
que é grata a quem no estrangeiro
recebeu com dignidade tantos
emigrantes. É desprezível porque
contamina com o selo da escravatura
uma denominação de origem
agrícola que deveria ser, não
apenas em termos de acidez, “extra
virgem”. E que pelos vistos não
é! Será que alguma vez foi?

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