Editorial
Eusébio
Paulo Barriga
O que chorámos nós
quando chorámos a
morte de Eusébio? O desaparecimento
do maior futebolista
português de todos os tempos?
O falecimento do desportista
tolerante e brilhante e consensual
e incomparavelmente modesto? A
memória das correrias fulgurantes
com a bola colada aos pés e os
disparos letais da negra pantera?
Sim, chorámos tudo isso e chorámos
muito mais do que isso tudo.
Chorámos uma glória que nunca
foi propriamente nossa. Não a
glória dos golos impossíveis, sequer
a glória da vitória desportiva
e dos aplausos. O que chorámos
com a morte de Eusébio, o que
sempre chorámos com a morte
dos nossos Eusébios, das nossas
Amálias, dos nossos Sebastiões,
é a glória adiada de Portugal. É o
vazio, a falta de rumo, a ausência
de herdeiros valentes e imortais, a
deriva e a expetativa da salvação
sucessivamente delongada desde
Alcácer-Quibir. O que chorámos
com a morte de Eusébio não foram
apenas as botas de ouro ou os
triunfos inigualáveis. O que chorámos
com a morte de Eusébio,
tal como nos avisaram há tantos
séculos o sapateiro Bandarra ou o
Padre Vieira, foi a incerteza. Essa
doença que nos atinge bem no
coração da nossa existência. Da
nossa maneira de ser. Esse embruxamento
que nos deixa sem rumo
nem tino sempre que nos morre
um Eusébio, à beira da falésia, à
espera da ressurreição numa messiânica
manhã de nevoeiro. À espera
de milagre justo e libertador.
É a esta caldeirada que leva crença
e leva desesperança como temperos
que os velhos do Alentejo
costumam chamar cisma. E que
Fernando Pessoa chamava apenas
Portugal. Esse penhasco de
rocha pendente sobre um mar
cuja salga são as próprias lágrimas
portuguesas. Sim, Portugal
sente a falta de Eusébio, dos seus
certeiros petardos de cautchu, dos
saltos de mãos no ar sempre que
arrebentava balizas. Mas do que
Portugal verdadeiramente sente
falta não é apenas deste, é de outros
Eusébios. Que é uma das muitas
maneiras de dizer esperança.
Muitas pessoas se perguntaram
nos últimos dias se valia a pena
tanto alarido por causa de um jogador
da bola. Ainda Fernando
Pessoa: Tudo vale a pena se a alma
não é pequena.
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