sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Diário do Alentejo Edição 1655



Editorial

Eusébio

Paulo Barriga

O que chorámos nós

quando chorámos a

morte de Eusébio? O desaparecimento

do maior futebolista

português de todos os tempos?

O falecimento do desportista

tolerante e brilhante e consensual

e incomparavelmente modesto? A

memória das correrias fulgurantes

com a bola colada aos pés e os

disparos letais da negra pantera?

Sim, chorámos tudo isso e chorámos

muito mais do que isso tudo.

Chorámos uma glória que nunca

foi propriamente nossa. Não a

glória dos golos impossíveis, sequer

a glória da vitória desportiva

e dos aplausos. O que chorámos

com a morte de Eusébio, o que

sempre chorámos com a morte

dos nossos Eusébios, das nossas

Amálias, dos nossos Sebastiões,

é a glória adiada de Portugal. É o

vazio, a falta de rumo, a ausência

de herdeiros valentes e imortais, a

deriva e a expetativa da salvação

sucessivamente delongada desde

Alcácer-Quibir. O que chorámos

com a morte de Eusébio não foram

apenas as botas de ouro ou os

triunfos inigualáveis. O que chorámos

com a morte de Eusébio,

tal como nos avisaram há tantos

séculos o sapateiro Bandarra ou o

Padre Vieira, foi a incerteza. Essa

doença que nos atinge bem no

coração da nossa existência. Da

nossa maneira de ser. Esse embruxamento

que nos deixa sem rumo

nem tino sempre que nos morre

um Eusébio, à beira da falésia, à

espera da ressurreição numa messiânica

manhã de nevoeiro. À espera

de milagre justo e libertador.

É a esta caldeirada que leva crença

e leva desesperança como temperos

que os velhos do Alentejo

costumam chamar cisma. E que

Fernando Pessoa chamava apenas

Portugal. Esse penhasco de

rocha pendente sobre um mar

cuja salga são as próprias lágrimas

portuguesas. Sim, Portugal

sente a falta de Eusébio, dos seus

certeiros petardos de cautchu, dos

saltos de mãos no ar sempre que

arrebentava balizas. Mas do que

Portugal verdadeiramente sente

falta não é apenas deste, é de outros

Eusébios. Que é uma das muitas

maneiras de dizer esperança.

Muitas pessoas se perguntaram

nos últimos dias se valia a pena

tanto alarido por causa de um jogador

da bola. Ainda Fernando

Pessoa: Tudo vale a pena se a alma

não é pequena.

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