sábado, 1 de fevereiro de 2014

Diário do Alentejo Edição 1658

Editorial
Praxe
Paulo Barriga

Chamava-se Cristina
Ratinho. Tinha 26 anos.
E um filho de quatro. Era
aluna de Gestão de Empresas na
Escola Superior de Tecnologias e
Gestão. Em Beja. Faleceu em setembro
último vítima de problemas
cardiorrespiratórios.
Precisamente 11 meses após se ter
sentido mal no decurso de um ritual
de praxe académica. Depois
do qual nunca mais recuperou a
saúde. Nem os colegas, nem a instituição
de ensino alguma vez reconheceram
qualquer relação de
causa efeito entre a praxe e a doença
grave que acometeu a aluna.
Anos antes, na Universidade
Lusíada de Famalicão, um aluno
que decidiu abandonar a tuna
académica foi praxado com tal carinho
que acabou por falecer vítima
de lesões cérebro-medulares.
Até chegar à praia do Meco,
no passado dia 15 de dezembro,
os chamados rituais de integração
de estudantes deixaram um tapete
de violência, de humilhação
e de vexame tão absurdo e tão antigo,
como velha e amanteigada é
a nossa tolerância para com os autoritarismos
e a arbitrariedade.
As praxes académicas são a mais
aberrante exibição pública do animal
fascista que persiste na sociedade
portuguesa. Até hoje, nunca
ouvi um único argumento racional
que valide esta verdadeira fábrica
de seres autómatos e submissos.
O mais grave é que as
vítimas de hoje se transformam
alegremente nos carrascos de
amanhã. Como se essa fosse a lei
da vida. A ordem natural das coisas.
A questão é que para alguns,
como é o caso da Cristina ou dos
seis náufragos do Meco, não haverá
amanhã. E o problema é que
para a maioria ululante o amanhã
passa pela natural aceitação
da submissão pura e simples, da
vassalagem, da obediência cega.
Sem critérios. Sem vontade própria.
Sem questionar. Sem pensar.
Afinal, talvez a praxe tenha
alguma razão de ser e de existir.
Talvez sirva para justificar o estado
amorfo, apático, obediente e
manipulável a que chegou a sociedade
portuguesa.

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