sexta-feira, 4 de abril de 2014

Diário do Alentejo Edição 1667

Editorial
Clima
Paulo Barriga

Esta semana foi revelado o
“esboço” de um novo relatório
da ONU sobre alterações
climáticas. O que traz
de novo este documento em ralação
aos seus antecessores?
Nada. E quase tudo. As alterações
do clima em função da subida
do aquecimento global já
não são uma mera hipótese, são
a dura realidade que hoje sentimos
na pele. Os antigos padrões
de previsão do tempo para nada
nos servem. A produtividade
agrícola pode cair dois por
cento a cada 10 anos que passa,
embora o consumo de alimentos
deva aumentar cerca de 14
por cento em igual período.
Haverá muito menos disponibilidade
de água para consumo
humano e para a agricultura. O
número de pessoas expostas a
cheias em bacias hidrográficas
será três vezes maior. Enfim,
nada de novo, nada de relevante,
nada que os filmes de messianismo
científico americanos
não nos ofereçam às tardes de
domingo em sinal aberto. O que
este estudo oferece de verdadeiramente
novo não tem a ver já
com o futuro, diz respeito antes
ao presente. Às contradições
insanáveis entre os empreendimentos
de hoje face ao amanhã
traçado pelos melhores cientistas
do mundo. Sobre o Sul
da Europa, esta pontinha onde
fica Portugal, o novo relatório
do Painel Intergovernamental
para as Alterações Climáticas é
bastante claro: daqui a cerca de
35 anos, por volta de 2050, em
virtude de um clima mais seco
e de existir muito menos água
nos rios, a produção elétrica
pode cair cerca de 15 por cento.
De igual forma e pelas mesmas
razões, num cenário extremo,
a produção agrícola de regadio
pode vir a sofrer perdas superiores
a 25 por cento. Veja-se
bem o destino danado que nos
calhou em sorte. Já escaldávamos
os pés no barro muito
antes de se imaginar o aquecimento
global, os efeitos de estufa,
os buracos atmosféricos
na camada de ozono. Éramos o
perfeito deserto sem oásis que
se avistasse e sem pinga no cantil.
Levou tempo e paciência e
muitos palavrões pelo meio,
mas lá se arranjou o raio de
uma poça de água numa curva
do Guadiana, ao pé da aldeia
de Alqueva. Para agora nos virem
dizer que a construção de
barragens e a aposta no regadio
é um erro crasso que terá consequências
futuras, nefastas e
imprevisíveis. O Alentejo é o
único local do mundo onde parece
não fazer sentido o ditado:
“Candeia que vai à frente alumia
sempre duas vezes”.

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