sexta-feira, 2 de maio de 2014

Diário do Alentejo edição 1671


Editorial
Música
Paulo Barriga

A música é a expressão artística
que melhor resiste às
crises. Aliás, a música é a expressão
artística que de imediato resiste
às crises, que as encara com vigor,
que as combate de frente e que
as ultrapassa. O simbolismo e o papel
extraordinário que os baladeiros
tiveram na denúncia do Estado
Novo e nos alvores da Revolução de
Abril é apenas um exemplo, muito
localizado até, do vigor que a música
atinge em tempos de crise. A
música advém da ação. Todas as artes
dela advêm, mas a música, esse
exercício tão primordial de reproduzir
os sons da natureza, é a arma
que acompanha o Homem desde o
princípio dos tempos. Sim, a música
é uma arma. A mais primitiva
e inaugural das armas. Temível, por
conseguinte. E o mais curioso é que
a música fervilha melhor no tempo
em que as outras armas artísticas
se vão de alguma forma abaixo.
Este em que vivemos é um tempo de
crise, um tempo musical já se vê. A
crise económica tem um impacto
imediato e muito pernicioso na produção
artística e cultural. Num país
como Portugal, onde o mecenato
não existe e onde o Estado é indiferente
e omisso nesta matéria, as artes,
todas as formas de arte, sofrem
um encolhimento avassalador e
muito preocupante. Principalmente
aquelas que mais dependem das
ajudas institucionais, como o teatro,
o cinema ou a dança. A música também,
claro. Mas a música, a música
em geral, não é de baixar os braços.
Muito pelo contrário. No pior momento
económico de que há memória
no Portugal democrático, a música
portuguesa apresenta um viço e
uma criatividade talvez nunca antes
alcançados. O caso de Beja, dos músicos
de Beja, é emblemático. Nunca
como hoje, o panorama musical foi
tão efusivo. Da música litúrgica ao
hip hop, do cante ao pop e ao rock,
do fado aos cantautores, da música
popular ao jazz, da clássica aos bailaricos,
nunca em Beja se escutou
tanta e tão boa música. A pergunta
que se coloca é simples: Porquê? A
resposta é complexa ou talvez nem
exista. Mas uma coisa é certa, na era
dos não-subsídios, na era dos não-
-cachets, na era da penúria a música
soa bem alto e bem afinada
em Beja. E mais, bem unida. O espetáculo
do 25 de Abril, onde se
fundiram diferentes grupos e artistas
locais num único e inédito
projeto, é qualquer coisa de assinalável.
Porque pela primeira vez,
a um mesmo palco, subiram pessoas
dos mais variados quadrantes
políticos, origens estéticas, classes
etárias para fazer uma coisa muito
simples: Música. O que ali se passou,
a congregação que ali se deu,
deveria servir de exemplo principalmente
para os políticos da nossa
região. É possível cantarem todos a
uma só voz. Porque a música é uma
arma, principalmente em tempos
de crise.

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