quinta-feira, 31 de julho de 2014

Diário do Alentejo Edição 1684

Editorial
Sucata
Paulo Barriga

Sucata não é bem a mesma
coisa que lixo. Embora
uma e outro possam ir
parar ao mesmo balde. Embora
uma e outro se enquadrem na
desagradável definição filosófica
de “esterqueira”. Cujo enunciado
começa com a seguinte
premissa: “ninguém os quer à
porta de casa”. Mas, de facto, sucata
não é bem a mesma coisa
que lixo. Lixo são mais os despejos
e as imundices definitivamente
e para todo o sempre descartáveis.
A que costumamos
virar as costas sem dizer adeus
e sem um pingo de remorsos. Já
a sucata é uma espécie de lixo
adiado. São coisas que já não
prestam, na verdade, mas que
ainda podem desenrascar. A sucata
é o limbo do lixo. É o cais
das barcas do lixo. Estudando
Gil Vicente saberemos que alguma
sucata terá a sua glória. A
maioria da sucata, nem por isso.
O presidente da Aeroportos de
Portugal deu uma entrevista à
SIC onde provou que o lixo também
pode ser mental. Disse ele
que o futuro de Beja poderá passar
não por um aeroporto, mas
por um contentor. Que é uma
das muitas maneiras de definir
“unidade de desmantelamento
de aeronaves”. Para além
de contentor, também se pode
substituir o termo por… parque
de sucata. Ou seja, o futuro económico
jubiloso do aeroporto
do Alentejo, com atividades ligadas
ao turismo e ao transporte
de passageiros, à logística
e às cargas com o florescimento
da agricultura e da agroindústria,
ao fabrico de componentes
aeronáuticos e à investigação,
esse futuro foi considerado
não reciclável. Foi para o lixo,
por conseguinte. Em seu lugar
virá algo duradouro, rentável e
apetecível. A sucata. “Um negócio
florescente” capaz de viabilizar
um equipamento que “ainda
apresenta resultados negativos”
(as imundícias entre aspas
são dele). Mas se transformar
um aeroporto novinho em folha
num cemitério de aviões velhos
é uma coisa assim tão boa, por
que raio veio parar a Beja? Seria
a primeira vez, desde o tempo da
serpente e do toiro, que tal aconteceria.
Pelo que é melhor desconfiar
um nadinha destas empresas
que se fixam para lucrar
o mais que podem e o mais rapidamente
possível. E que depois
dão à sola deixando para traz as
carcaças inaproveitáveis dos aviões
e os componentes poluentes,
perigosos e caros de acondicionar
e de reciclar. Ou seja, deixando
aos pacóvios o lixo da sucata.
Sim, porque sucata não é
bem a mesma coisa que lixo.

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