sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Diário do Alentejo Edição 1685

Editorial
Mãe
Paulo Barriga


A minha mãe faz hoje
80 anos. Nasceu a 8
de agosto de 1934,
na Horta dos Barretos, perto de
Serpa. Também foi em Serpa, na
igreja de Santa Maria, que o meu
avô a fez batizar. Logo depois vieram
morar para Baleizão, para
a Horta do Paço do Estejo. E daí
para muitas outras hortas quando
ainda as havia com fartura de verdura
e de água no Alentejo. Não
me admira que ao meu avô lhe tenham
dado a alcunha de Manuel
da Horta, cognome que também
foi herdado pelo seu filho mais velho.
Foi a minha mãe, como tantas
mães e pais desta terra, criada no
campo, com os bichos, as ervas e
as pedras, a vida toda, sem ver escola
nem livros. Foi no campo que
desde pequenina trabalhou. Nas
mondas, nas ceifas, na azeitona,
em todas as necessidades urgentes
da terra. Aos 20 e poucos casou. E
veio para Beja. Primeiro para uma
horta, naturalmente, as Terras
Frias, e depois para a cidade. Onde
cuidou dos afazeres da casa, criou
os filhos e arranjou doenças que a
fizeram andar internada de hospital
em hospital quase por duas
décadas. É de estatura pequena,
a minha mãe, mas grande como
poucas em força e em ânimo e em
alento. Coisa que ganhou nas hortas,
por certo. E que ainda hoje,
que faz 80 anos, lhe vale. E sempre
lhe valeu para ultrapassar as
adversidades da vida, tantas, que
o estimado leitor pode muito facilmente
imaginar, sem se socorrer
de qualquer ajuda narrativa
da minha parte. Ainda para mais,
tratando-se, indubitavelmente, da
melhor mãe do mundo. Dá-se o
caso que a melhor mãe do mundo,
afinal, vale muito pouco ou quase
nada. Depois de todas as provações,
depois de tanta persistência,
depois de tanta luta e de tantos
rasgos heroicos, o Governo desta
nação calculou que a minha mãe
valia 300 euros por mês. Apenas e
só. Qualquer político Batman, tão
veloz a passar por algum cargo
público como um cão passa numa
vinha vindimada, vale 10, 20, 30
vezes mais do que a melhor mãe
do mundo. Esses mesmos políticos
que agora consideraram que
a melhor mãe do mundo até valia
demasiado. E subtraíram-lhe
mais 500 e tal euros ao abrigo de
um imposto imoral e desumano
que se escreve com três letrinhas
apenas, como a palavra mãe também
se escreve: IRS. Um Governo
que trata desta forma indigna os
seus velhos, onde se inclui a melhor
mãe do mundo, não é merecedor
de respeito, nem de qualquer
tipo de deferência. Esses, o
respeito e a deferência, vão para
quem labutou uma vida inteira
para, no final, ser usurpado e humilhado.
Como é o caso da melhor
mãe do mundo, a minha, que
hoje faz 80 anos.

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