sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Diário do Alentejo Edição 1686

Editorial
Demência
Paulo Barriga

Até ao final do mês está em
discussão pública o relatório
que um grupo de trabalho
na área da psiquiatria preparou
para o Ministério da Saúde. Não
entendo muito bem o que se pretende
quando se diz “discussão pública”.
Mas os governos de Portugal
gostam muito de discutir publicamente.
Principalmente os estudos,
as avaliações, as propostas, as encomendas
bem remuneradas que fazem
aos amigos, nas mais diversas
áreas. A questão é que apenas se promove
discussão pública em matérias
onde alegadamente se pretende
que tudo mude, para que tudo torne
a ficar igual. É este o caso. Ora o que
traz o grupo de trabalho para discussão
pública? Nada que não saibamos
há muito, que não denunciemos
há muito, que não lamentemos
há muito. O Alentejo é a região do
País com o maior número de suicídios
e com os mais vastos e graves
problemas na área da saúde mental.
O Alentejo é a parcela do território
nacional onde existem menos psiquiatras
por habitante (um médico
para cada 50 mil pessoas, em Lisboa
existem cinco clínicos para o mesmo
universo populacional). E, mais inquietante,
no campo da psiquiatria
da infância e da adolescência apenas
há um especialista para cada 80 mil
habitantes. A mesma míngua acontece
com os enfermeiros especialistas,
com os técnicos de serviço social
e com os terapeutas ocupacionais.
As conclusões deste relatório nacional
dão conta, afinal, da lástima a que
chegaram os cuidados de saúde mental
no Alentejo e também no Algarve.
“Preocupante”, é o termo utilizado
pelos relatores. Importa saber, então,
o que se pretende agora discutir publicamente.
A doença? Ou a cura? A
doença está bem identificada, para
mal dos nossos pecados. O Alentejo
tem uma população envelhecida, empobrecida,
sem qualquer tipo de assistência,
isolada. Cujos sintomas, naturalmente,
se manifestam sobre a
forma de depressão ou de outras patologias
do foro psiquiátrico que, em
casos extremos de desespero, levam
a dependurar o pescoço numa corda.
Já a cura tem que se lhe diga. O mais
eficaz dos remédios carece de ser ministrado
a longo prazo: Inverter por
completo as políticas que levam à desertificação
humana no território e às
assimetrias regionais. É caro, em dinheiro,
este tratamento, mas nada
caro, em inclinação, para o poder central.
Já a curto prazo, e se a conclusão
do estudo é tão óbvia, o curativo que
tem de ser ministrado tem a ver com
a vinda de médicos, destas e de outras
áreas, para o Alentejo. Urgentemente.
O Hospital de Beja tem uma unidade
de psiquiatria novinha em folha que
não consegue inaugurar há anos por
carência de pessoal especializado.
Enquanto em Lisboa andam médicos
às cavalitas uns dos outros a brincar
aos relatórios. Afinal quem é que padece
de demência

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