domingo, 24 de agosto de 2014

Diário do Alentejo Edição 1687

Editorial 

Baleizão 

Paulo Barriga 

O corpo de investigação criminal da GNR deteve na passada semana um indivíduo que assaltou uma octogenária. Deu-se o caso em Baleizão. E dá-se o caso que este não terá sido o primeiro delito do género cometido pelo fulano. Aliás, as pessoas sabem, a GNR sabe, a Polícia Judiciária sabe, os juízes também sabem que de há cerca de dois anos a esta parte, este e outros artistas residentes na localidade, assaltaram largas dezenas de habitações, coagiram violentamente vários idosos e acabaram por matar três deles. Como foi o caso presente. A população, as polícias e os magistrados sabem igualmente que este tipório não agiu sozinho, sabem quem são os restantes membros da quadrilha, sabem como eram planeados os crimes, sabem como eram receptados, conduzidos e transacionados os valores roubados. Concluindo, toda a gente sabe há demasiado tempo o que se passa em Baleizão, e certamente noutras aldeias do Alentejo, mas nunca ninguém fez nada para evitar estes três supostos homicídios. O povo de Baleizão, que é conhecido pelo seu arrebatamento e sangue quente, deixou a coisa andar. As polícias, cada vez mais minguadas em meios técnicos e operacionais, foram encolhendo os ombros. Os juízes foram colecionando queixas, denúncias e evidências nas secretárias... e os crimes foram--se sucedendo a um ritmo vertiginoso e intolerável. Porquê? Não será simples encontrar uma única e boa razão para este longo e, de alguma forma cúmplice, silêncio. Mas não restam dúvidas que todos, sem exceção, teremos alguma mácula neste filme negro. Que não é ainda mais dramático porque, por fim, os meios de comunicação social, nomeadamente a chamada informação tabloide, tomou para si o assunto. Chegámos a um impasse civilizacional onde o que conta é o que vem a letras garrafais nos jornais populares ou é gritado com espuma nos cantos da boca nas televisões de entretenimento. A justiça, como tudo nesta sociedade individualista e imóvel, tarda e a maior parte das vezes apenas chega quando é notícia nas parangonas. O que desvirtua por completo o próprio conceito de justiça. E pode levar, como quase agora aconteceu em Baleizão, a que a própria justiça caia nas mãos do povo. Coisa que ninguém, no seu perfeito juízo, desejará. Como por certo ninguém desejará comprar o jornal da manhã com a notícia de um novo homicídio em Baleizão. Ou noutra qualquer Baleizão deste interior envelhecido, amedrontado e imóvel.

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