sábado, 20 de setembro de 2014

Diário do Alentejo Edição 1691

Editorial
Paideia
Paulo Barriga

A língua e cultura portuguesas
brotam desse
tronco fundamental e fértil
que é a Antiguidade Clássica.
Principalmente do grego antigo,
depois helenizado e latinizado.
Mesmo quando os árabes subiram
à Ibéria, no apogeu da sua
existência civilizacional, um dos
seus principais legados foi precisamente
a recuperação, a partir
das fontes originais, dos textos
gregos elementares. É de lá,
da forja de Aristóteles, de Platão,
de Homero, que vem o molde do
nosso pensamento, da nossa cultura,
dos nossos mitos, dos nossos
medos. Não deixa de ser curioso
que hoje, em Portugal, o ensino
do Grego e do Latim quase tenham
desaparecido da nossa rede
universitária. E que se contem
quase pelos dedos de uma mão os
alunos do secundário com preferência
em clássicas. Por aqui também
se mede o estado de saúde a
que chegou o nosso sistema de
ensino. Pelo contrário, este património
genético imaterial da
Europa ganha adeptos a cada dia
que passa nos países do Norte.
Aliás, é alemão o filósofo que, na
antecâmera da Segunda Grande
Guerra, se embrenhou na forma
de transmissão de conhecimento
da Grécia Antiga. Werner Jaeger,
na sua obra essencial Paideia, elucida-
nos da forma como os gregos
entendiam a formação dos
jovens. Paideia, segundo este pensador
germânico, é o termo que
na Grécia Antiga se utilizava para
designar “todas as formas e criações
espirituais”, sem nunca descorar
o maior dos tesouros: a tradição
oral, o legado geracional.
A ideia fundamental da Paideia,
por conseguinte, era o desenvolvimento
de todas as potencialidades
da criança no campo das artes,
da cultura, das ciências, do
pensamento, do desporto. Com
o objetivo de criar bons homens
e melhores cidadãos. Platão, citado
por Jaeger, diria mesmo que
a Paideia era “a essência de toda
a verdadeira educação”. O que
“dá ao homem o desejo e a ânsia
de se tornar um cidadão perfeito
(…) tendo a justiça como fundamento”.
Quando se operam reformas
no ensino em Portugal, como
agora acontece, desvalorizando os
professores, desautorizando-os,
humilhando-os, fechando escolas,
afastando os alunos das suas
origens culturais e sociais, não
estamos a tecer o tapete do desenvolvimento
e da igualdade de
oportunidades no ensino. Não estamos
a criar bons homens e melhores
cidadãos. Como com tanta
veemência os políticos apregoam.
Estamos, isso sim, a entrelaçar
uma manta de ilusões. Cosendo
hoje. Desemaranhando amanhã.
Estagnados no tempo. Tal como
Penélope, enquanto aguardava
por Ulisses.

Sem comentários: