sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Diário do Alentejo Edição 1696

Editorial
Especial
Paulo Barriga

Nem sempre ser-se especial
é assim tão extraordinário
quanto isso.
Especial é daqueles adjetivos tramados.
Daqueles adjetivos que depende
muito de quem os toma. De
quem os fala. De quem os articula.
Especial é um adjetivo tão amplo,
tão aberto e, ao mesmo tempo, tão
impeditivo que é de trazer as lágrimas
aos olhos. É muito sadio
ser-se especial como treinador de
futebol num banco de suplentes
ingleses. É muito pouco salutar
ser-se especial como criança no
banco de uma escola de Portugal.
O nosso sistema de ensino é moderno.
Pelo menos do ponto de
vista teórico e legislativo. A escola
reconhece a existência de
meninos especiais. Já não é mau.
Especial, no que toca ao ensino,
é o adjetivo usado burocraticamente
para substituir outros adjetivos
tipo: estranho. Diferente.
Invulgar. Incapaz. Inferior.
Imperfeito. Deficiente, até. A escola
reconhece, de facto, a existência
de meninos especiais. Mas
reconhece-os na sua essência menor.
Ser-se especial é uma chatice.
E ainda por cima é uma chatice
que sai cara. Tanto faz que o especial
decorra de uma mera confusão
ao nível da hiperatividade. Ou
de uma doença raríssima, pouco
conhecida, sem diagnóstico. Em
todo o mundo civilizado, há dezenas
de décadas a esta parte, se
chegou à conclusão que as crianças
ditas especiais, com necessidades
educativas especiais, deveriam
ser integradas, sempre que
possível, no ensino regular. É a
tão pomposamente proclamada
educação inclusiva. Uma educação
humanista com recurso a técnicas
e materiais próprios. Com
integração de professores especialistas
e de terapeutas, quando necessários.
Com turmas pequenas,
adequadas a cada situação. Em
suma: uma educação especial para
as crianças ditas especiais. Mas o
que acontece, de facto, é que, nas
escolas cá do sítio, não há terapeutas
em quantidade suficiente,
as turmas excedem em muito o
número de alunos, há falta de especialistas
e de auxiliares. E, especialidade
das especialidades, o
próprio Ministério da Educação
e Ciência, à laia da burra, atribui
uma espécie de quotas em número
e género miseráveis a cada menino
especial, no que toca à carga
horária distintiva que cada um
deve ter para crescer em harmonia
com os demais. Tudo isto em
nome do bom uso dos dinheiros
públicos, da igualdade de oportunidades,
do Portugal moderno
e inclusivo. Tudo isto numa qualquer
escola ao virar da esquina. Se
isto é o ensino especial, imagine-
-se o que vai no ensino, diria, trivial.

Sem comentários: