sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Diário do Alentejo Edição n.º 1701


Editorial
Sócrates
Paulo Barriga

Existem duas coisas que derrubam
uma nação. Há duas
coisas, aliás, que derrubam
qualquer um. E por isso também
derrubam uma nação que, numa
definição ligeira, é apenas um conjunto
de muitos, que habitam um
mesmo local, falam a mesma língua
e que não têm tiques culturais
tão diferenciadores quanto isso. As
duas coisas que derrubam uma nação,
esse conjunto de muitos num
mesmo local, que no caso concreto
são os portugueses de Portugal:
a barriga e a cabeça. Cabendo à
barriga, em primeira instância, e
quem o diz é o povo, alentar a cabeça:
“barriga cheia, cara alegre”.
Ou, para quem goste de olhar antes
pelo ângulo negativo, “barriga vazia,
não tem alegria”. Neste ponto
pouco há dizer. Vai para quatro
anos que o pouco que apenas entrava
na barriga da Nação passou
a quase nada. Para nem falar que
“o quase”, em tantas barrigas deste
covil, deixou de acompanhar “o
nada”. Ausentando-se “do nada”,
no tal ponto de miséria onde a alegria
não entra, como reza o ditado.
Mas o habitante da Nação portuguesa
é portador de um gene raríssimo
e extraordinariamente resistente
à desgraça. Deve ser daí que
vem a tal locução popular do “fazer
das tripas coração”. “Para pior
antes assim”, dizem as mulheres
quando pedem fiado nas mercearias
ou quando, em nome da barriga,
humilham a cabeça nas filas
da caridade. Mas se é dado ao nativo
da nação esse dom invulgar
de silenciar os murmúrios da barriga,
mesmo quando eles, os murmúrios,
geram sinfonia, o mesmo
já não acontece quando é a cabeça
diretamente atingida. Como hoje
acontece com voraz persistência. O
estado de imoralidade, de devassidão,
de depravação a que chegaram
as instituições da Nação não deixa
alternativa ao nativo. O delírio, originado
pela sequência de escândalos
políticos e financeiros ao mais
alto nível, é o primeiro sintoma da
depressão que acomete coletivamente
a Nação. Em cada cavadela,
minhoca. Quando por escassos
instantes se enchem os pulmões de
ar, julgando que a coisa caiu bem
no fundo, eis que se abre no imediato
novo alçapão. Mais fundo e
mais negro que o antecedente. Não
há cabeça que aguente isto. Não há
nação que resista ao duplo estado
aviltante da barriga vazia e da cabeça
perdida. A justiça bem pode
encher os calabouços com os farrapos
da depravação, da ganância
e da corrupção imaginando, no
seu íntimo, que nada ficará como
dantes. Crendo que “uma cabeça
perdida deita muitas a perder”.
Embora me pareça que isto possa
acabar com uma tirada à antiga,
à grande e à grega: eles só saberão
que nada sabem.

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