segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Haverá sempre mais um lugar na nossa estalagem

Devíamos dar do mesmo modo que recebemos, alegremente, rapidamente, sem hesitações;
pois não existe qualquer gratificação em ficar agarrado às coisas.Séneca



A aparelhagem embalava-nos com uma canção de Kenny Rogers, enquanto o aroma a canela criava um ambiente festivo na cozinha.
— Mãe, tens a Jen ao telefone — chamou Becca da sala, com grande excitação.
— A sério? Será que tiveram de alterar os planos?— respondi, sentindo um desagradável nó a formar-se no estômago.
Devido ao elevado custo, os telefonemas da nossa filha que se encontrava em missão num orfanato no México eram raros. Sacudindo a farinha das mãos, peguei no telefone e saudei:
— Olá, querida, mas que boa surpresa!
— Olá, mãe, como estão todos no Kansas? Mandaste vir neve para o Natal?
— Bem, espero bem que sim, mas tu sabes como é o Kansas. Podem estar cerca de vinte graus ou podem estar quase quinze negativos. Mas decerto que não telefonaste para falar do tempo.
— Bom, mãe, preciso de um enorme, Enorme, ENORME favor. Uma das minhas amigas dos tempos da faculdade está grávida e a família dela não pode saber. É uma coisa completamente condenável na cultura deles e ela está realmente com medo dos irmãos.
— E o que queres que faça?— perguntei, adivinhando já a resposta.
— Bom, será que ela pode ficar aí convosco até ter o bebé?
A menos de uma semana do Natal, como é que eu iria dizer que não a uma jovem grávida? Portanto, respondi:
— Bom, terei de falar com o teu pai, mas tenho a certeza de que não se importará. Entretanto, não achas que devias tentar que ela converse primeiro com os pais? Também não me agrada fazer parte de uma conspiração para enganar a família.
— A mãe dela está ainda na Arábia Saudita e ela não vê o pai há anos. Suponho que já imagines de quem se trata.
— Depois do que disseste, é óbvio que é a Sim — respondi, lembrando-me da bonita e corajosa amiga da minha filha. — Quando é que ela vem?
— O seu último exame é na sexta-feira de manhã, portanto ela poderia estar aí sexta à noite, não muito depois de eu e o Pete chegarmos. Quando é que a Beth e o Thomas regressam da faculdade?
— Chegam todos na sexta. Mal posso esperar! — respondi com entusiasmo.
— Eu também mal posso esperar — disse a Becca por cima do meu ombro.
— Olá, Bec! Também mal posso esperar por te ver. Gostava de falar mais, mas estas chamadas dão-me cabo do orçamento!— disse Jen à irmã.
— O teu voo chega na sexta de tarde?— perguntei, tentando encurtar.
— Sim. O Pete pediu para te dizer que já tem água na boca por causa dos teus pãezinhos caseiros. Muito obrigada, mãe. Amo-te.
— Diz ao Pete que não sei se os farei. Tenho imensas coisas para fazer na escola antes do fim do semestre. Amo-te muito, querida — respondi, sorrindo, a olhar para toda aquela farinha já ressequida nas minhas mãos.

A nossa “estalagem” ia ficar cheia pelo Natal. Jen iria ter de partilhar um quarto com as suas duas irmãs, enquanto nós transformávamos o seu velho e minúsculo quarto para dar um pouco mais de privacidade à Sim. Quatro dias mais tarde, já estávamos a desfrutar de uma casa cheia de barulho e diversão: embrulhar prendas, cozinhar e fazer os preparativos de última hora para o Natal. O telefone tocou. Thomas atendeu e perguntou:
— Mãe, queres atender uma chamada estranha a pagar no destino?
Quando me passou o telefone, ouvi a telefonista perguntar:
— Aceita uma chamada da Cadeia de Vernon County a pagar no destino?
Admirada mas curiosa, aceitei a chamada.
— Daqui fala o Agente Kasteel do Departamento do Xerife de Vernon County. É da residência de Thomas Garrity?— perguntou, enquanto os meus olhos pousavam sobre o meu filho que se espreguiçava no sofá.
— Sim— respondi. — De que se trata?
— Bom, minha senhora, nós temos uma política de licença de saída durante o Natal para prisioneiros com bom comportamento. Eles têm de ter um lugar para onde ir e um adulto responsável tem de assinar a autorização da sua saída. O Mike Preston pediu-nos para tentar este nome e este número.
— Só um segundo— respondi, e partilhei a informação com Thomas. — Porque é que o Mike não liga aos pais? E, já agora, porque é ele está na cadeia?— perguntei.
— Os pais mudaram-se para o Wyoming. É uma longa história — disse Thomas, enquanto se sentava direito no sofá.
Depois de uma breve conversa com ele e com o agente, vimo-nos de repente à espera de mais um hóspede.
O meu marido, Max, e o meu filho Thomas saíram para ir buscar Mike na altura em que uma neve muito levezinha começava a cair, e eu subi as escadas para verificar se tínhamos cobertores suficientes e toalhas para mais uma pessoa. Relanceando os olhos pelo pequeno quarto do Thomas, pensei “Vai ficar sobrelotado, mas será muito mais aconchegante do que a cela de uma prisão.” Thomas, Mike e Pete, o nosso futuro genro, teriam apenas de decidir entre a cama ou os sacos de dormir. Quando voltei para baixo, as meninas tinham já acrescentado mais um lugar à longa mesa, e estavam a conversar e a rir enquanto faziam panquecas.
Enquanto tentava encontrar algum dinheiro na carteira, perguntei:
— Será que alguém pode ir depressa ao Walmart e arranjar um presente para o Mike? Parece-me que talvez lhe desse jeito um desodorizante ou roupa interior.
— Oh, mãe, isso não são prendas— respondeu Beth, pegando no dinheiro, e dando-me um beijo meigo na cara. — Vamos lá, pessoal, peguem nas vossas carteiras. Vamos fazer compras práticas e DIVERTIDAS!

O jantar foi bem mais tarde do que estava planeado, mas a casa parecia rebentar de diversão e alegria quando nos sentámos à volta da mesa para a tradicional ceia de véspera de Natal, com linguiça, panquecas e morangos. As luzes das velas refletiam-se nos olhos brilhantes e felizes e nas lágrimas que rolavam pela face de Sim. Apertei a mão dela e murmurei:
— Vai correr tudo bem.

A Missa da Meia-Noite pareceu-me especialmente santa naquela noite, rodeada que estava pela minha família, além de uma futura mãe e um viajante “perdido”. Na manhã seguinte, Mike fingiu dormir, para que pudéssemos todos ter um Natal “em família”. Quando o soalho da sala de estar estava coberto de embrulhos e laços, e as miúdas experimentavam as suas prendas novas, Thomas sentou-se a meu lado e colocou um braço musculado sobre o meu ombro.
— Mãe, ficarias muito magoada se voltássemos a embrulhar o meu casaco e o déssemos ao Mike?
— Oh querido, as meninas fizeram tudo para ele poder receber duas prendas bem bonitas, e tu precisas tanto do casaco! O teu blusão já está a rebentar pelas costuras.
— Podes arranjar-me outro em qualquer lado, antes de eu regressar à escola. O Mike nem sequer tinha uma camisola para o aquecer quando o fomos buscar ontem — respondeu ele.
Dei um abraço ao meu filho e fui procurar fita adesiva para embrulhar de novo o casaco. Mais tarde, observei a neve que caía lá fora, enquanto ouvia os sons reconfortantes da família. Max juntou-se a mim, colocou um braço em torno da minha cintura e reparou nos meus olhos cheios de lágrimas.
— Estás bem?— perguntou.
— Completamente maravilhada. Sinto-me cumulada de bênçãos e presentes dos nossos filhos. Conhecem realmente o verdadeiro significado do Natal! — respondi, com os olhos a brilhar.

 Gerri Wetta-Hilger

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