sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Diário do Alentejo Edição 1709

Editorial
Peixes
Paulo Barriga

Habemus Costa. Finalmente.
Um primeiro sinal
de que já contamina
os ares da política o defumo das
eleições. Do incensório que o prelado
do Partido Socialista oscila
há vários meses, em vão, sobre
o País defunto saiu finalmente
uma nesga de vapor. Agora já sabemos
que António Costa existe
e que, amém, tem pelo menos
uma ideia: regionalizar Portugal.
Diga-se de passagem, e passe o sacrilégio,
que é uma boa nova ideia
velha. A Regionalização está inscrita
na Constituição da República
Portuguesa desde 1976. E há quase
quatro décadas que tem sido por
sistema varrida para debaixo do
tapete pelos sucessivos governos
da nação. A esta distância consegue-
se perceber com maior facilidade
as voltas e as reviravoltas
deste perfeito golpe de sacristia. O
poder centralizado no Terreiro do
Paço, bafiento, concentrou em si
não apenas as desvirtudes da política,
mas acima de tudo um impudico
panteão com os sete pecados
capitais. Com a avareza e
a luxúria bem no cimo do altar.
Ao mesmo tempo que o País profundo,
que o País real, se foi esfrangalhando,
a cidade-estado foi
engordando como um bacorinho
em lesmas. Mas tal como aconteceu
com Sodoma e Gomorra, os
atos imorais dos nossos governantes
espicaçaram a ira divina. O que
resta hoje do Portugal centralizado
são cinzas e escombros e um poço
negro cujo fundo ainda não se vislumbra.
E por isso mesmo se recebe
como bom augúrio a profecia
de António Costa: é urgente
regionalizar o País. Aliás, nós, os
alentejanos, que no adúltero referendo
de 1998 votámos esmagadoramente
a favor da implementação
da Regionalização, temos
a santíssima legitimidade de exigir
a sua imediata implementação.
Como devemos ser ressarcidos pelos
danos insanáveis no desenvolvimento
deste território, causados
pela sua perversa ausência. Sempre
se argumentou, em banda contrária,
que a descentralização do poder
político e administrativo iria
conduzir à multiplicação dos piores
vícios conhecidos e bem identificados
no poder centralizado. Que
a regionalização levaria à reprodução
de clientelas, de amiguismos,
de facilitismos e de favorecimentos
obscuros, da corrupção em
geral. Quando, em boa verdade, o
poder de proximidade impõe um
maior escrutínio por parte do eleitorado
da vizinhança. E, acima
de tudo, está mais em linha com
as aspirações e com as reais necessidades
das pessoas. O que se
aguarda agora é que o missionário
António Costa leve o evangelho da
Regionalização por esse País a fora.
E que se não detenha a pregá-lo aos
peixes. Como é costume nos novos
profetas da política caseira.

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