quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Diário do Alentejo Edição 1711

Editorial
Fresquinho
Paulo Barriga

O tempo está como a política
local. Fresquinho. A
pedir mantas. E madeiros
no lume. Não havendo muitos
outros agasalhos para cobrir
o briol da política caseira, abafa-
-se-lhe as perninhas com sacas de
sarapilheira. Está assim o inverno
em Beja. Frio e desaconchegado e
sem assunto para além da grande
pendência que se coloca para o futuro
da cidade: o que fazer com o
depósito da água? É verdade, que
raio deve a câmara fazer com a
torre de betão que antes permitia
abastecer as zonas altas da cidade?
Eis a invernosa questão que promete
aquecer o debate político. Na
primavera de 2013, a autarquia,
através da Empresa Municipal de
Águas e Saneamento, propunha
transformar o colosso num miradouro
panorâmico. Uma obra
que chegou a ser orçamentada em
175 mil euros, ao abrigo do projeto
“Museu Vivo”, e que deveria
estar concluída antes do verão do
mesmo ano. O que não aconteceu.
Vieram as eleições. A câmara mudou
de cor. E quer também mudar
o destino do reservatório de
água. A ideia que agora sobrevive
é muito simples: deita-se abaixo o
dito cujo. Ambas as conceções são
válidas partindo do simples argumento
de que a instabilidade
da estrutura apela com urgência
para uma intervenção. Do lado
da recuperação do equipamento
junta-se outro fundamento de relevo:
o depósito faz parte da memória
visual da cidade. É um elemento
marcante da sua silhueta.
Pelo que deveria ser preservado.
Dá-se o caso que esta construção
dos meados do século XX foi alicerçada
sobre a base de um templo
romano. Aliás, o arqueólogo
Abel Viana, aquando do início
da obra, identificou no local uma
“enorme” estrutura que interpretou
como sendo parte de um templo
imperial. Escavações posteriores
trouxeram a público outros
achados importantes do mesmo
período e, igualmente nas imediações,
vestígios da existência de
uma inédita “casa da moeda” que
remonta ao reinado de D. João III
(daí, por certo, o topónimo rua
da Moeda). É neste “valor” histórico
e arqueológico do local que se
baseia a tese da demolição do depósito
da água. Resta agora saber
qual o enunciado que sobreviverá
a este inverno sem chama da política
bejense. Ou se fortalece com
betão uma “memória visual” urbana
com pouco mais de seis décadas.
Ou se vai à procura de um
passado mais longínquo que justifique
no terreno a existência da tal
misteriosa e desaparecida capital
do Conventus Pacensis, uma das
grandes cidades da Lusitânia romana.
Nada mais havendo a acrescentar
nem para tratar em Beja,
assim se lavra a ata do mais fresquinho
não-assunto do momento.

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