sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Diário do Alentejo Edição 1714

Editorial
Consenso
Paulo Barriga

Consenso é a palavra que se
confunde com a história da
União Europeia. Para sermos
mais precisos teremos de acrescentar
a “consensos” a ideia de “alargados”.
Consensos alargados. É esta
a matriz da Europa. A base do templo
de onde é suposto evoluir os seus
três pilares fundamentais: as comunidades
europeias, a política externa
e de segurança e a cooperação policial
e judiciária. E por isso mesmo,
pela inexistência de um consenso
alargado em torno da crise das dívidas
soberanas e mais concretamente
sobre a experiência grega, a Europa
anda com tantas tremuras nas canetas.
Mas, se calhar, não é para tanto.
Em vez de tiritar perante a Grécia, a
Europa deveria de olhar para si, para
a sua história, para as suas fundações,
para os seus “consensos alargados”.
Desde a sua invenção no
pós-guerra que a consensual Europa
sempre teve na mira a economia
pura e dura e nunca os cidadãos. A
união de estados começou pela regulação
das matérias-primas, nomeadamente
o carvão e o aço. Mais
tarde evoluiu para o comércio em geral,
para o mercado comum, para a
livre circulação de pessoas e de bens,
para a moeda única, para a política
financeira… Os grandes avanços da
Europa, bem vistas as coisas, tiveram
sempre como mira a criação de uma
praça de comércio e de negócios, dominado
por um único e grande mercador:
a Alemanha. E a coisa, ao longo
dos tempos, foi sendo mascarada
precisamente pelos “consensos alargados”.
Que é uma maneira simpática
de dizer silenciamento. Os países
mais incómodos ou incomodados,
como a Inglaterra, recebem na volta
do correio um cheque para se manterem
consensualmente mansos.
Para outros, como a França, inventam-
se políticas agrícolas ultraprotecionistas
e bem remuneradas. E
para os demais, nomeadamente para
os estados periféricos, dão-se uns
amendoins para se entreterem nos
supermercados e para se manterem
pacatos e afáveis. Os consensos alargados
inventados pela Europa, a sua
base de apoio, são talões de compras
com muitos zeros lá inscritos. Nada
mais. O crescimento desta Europa
fez-se através da compra do silêncio
dos descontentes e até dos descrentes.
Mas, como tudo na vida, até mesmo
numa casa farta como a Europa, a
discórdia acaba por bater à porta. O
mensageiro da desgraça acabou por
ser a Grécia. Mas podia muito bem
ter sido Portugal, a Espanha ou até
mesmo a Itália. A crise Grega, apesar
de todas as misérias sociais e humanitárias
que lhe estão associadas,
teve esse mérito. Teve a audácia de
dizer “não” numa terra de consensos.
E este não pode significar a salvação
da própria Europa. Que terá,
por uma vez que seja, de olhar para
os seus cidadãos. E menos para os
seus agiotas. É a isto que se chama
política. O passado é batota.

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