sexta-feira, 29 de maio de 2015

Diário do Alentejo Edição1727

Editorial
83
Paulo Barriga

Foi a uma quarta-feira, o dia
primeiro de junho de 1932. É
um dia marcante, este. Para
nós, muito marcante mesmo. Nesta
data era dada à estampa a primeira
edição do “Diário do Alentejo”.
Estávamos na antecâmara do Estado
Novo. Na sala de espera do holocausto.
No hall da grande depressão
americana. Os nacionalismos e os
regimes autoritários irrompiam pela
Europa como gardénias em estufa. O
direito à palavra, à livre expressão de
ideias e de opiniões, não era propriamente
a flor de lapela dos aparelhos
repressivos e propagandísticos da
época. Então, por que carga de água
se lançou nesta empresa “um grupo
de alentejanos devotadamente amigos
da terra que lhe foi berço”? A resposta,
embora com uma boa pitada
de deslumbramento, também está
na capa do jornal inaugural: para
que todos os alentejanos, “sejam
quais for os princípios da sua ideologia
religiosa ou política” coloquem
o “interesse coletivo, o progresso, a
felicidade da terra” que os viu nascer
“acima de outros interesses meramente
transitórios”. Ora veja-se:
num tempo de miséria, numa região
depauperada, num clima político
temeroso, numa sociedade reprimida,
apareceu em Beja uma publicação,
esta, que se propunha lutar
pelo progresso (palavra perigosa),
pelo ecumenismo religioso (opção
perigosa), pela pluralidade ideológica
(promessa perigosa). Existem
termos que são recorrentes para classificar
as coisas e principalmente as
pessoas antigas. Vetusto. Venerável.
Usado ou desusado. Provecto…
Enfim, trejeitos que cheiram a naftalina
e a fundo de arca e que conferem
ao que é idoso, de forma sobranceira,
uma nesga de simpatia ou
de forçada condescendência. Depois
de reler os artigos de lançamento do
“Diário do Alentejo” fico com pena
de nós, os supostamente jovens de
hoje. Tecnológicos e altamente preparados.
Conhecedores e mundividentes,
ainda que a nossa sabedoria
e visão não vá muito além de um
qualquer motor de busca eletrónico.
Redescobri na aventura das primeiras
letras impressas neste velho jornal
os fundamentos daquilo que deveria
ser o nosso norteamento de
hoje. A defesa intransigente e coletiva
da nossa terra e dos nossos valores
culturais. O respeito pela diferença.
A apologia da variedade política e religiosa.
O pluralismo e a liberdade de
pensamento. É no reencontro com
tais princípios, com tais ideais, que
no dia 1 de junho, que será uma segunda-
feira, quero erguer um brinde
ao “Diário do Alentejo”. Não apenas
para comemorar a passagem dos
seus 83 anos e das boas lições que
ele nos legou ao longo destas mais
de oito décadas. Mas para me assegurar
que nunca neste jornal esqueceremos
de colocar a nossa região, a
nossa gente, “acima de outros interesses
meramente transitórios”. Na
segunda, brindo a nós. A todos nós!

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